A cidade da Lapa foi, na origem, a Freguesia de Santo Antônio da Lapa (1797), sob jurisdição de Curitiba, mas em 1808 alcançou a condição de Vila Nova do Príncipe, e se viu consagrada como cidade em 1872.

Plantada no segundo plateau, da mesorregião metropolitana de Curitiba, estendeu sua ocupação para além do Meridiano de Tordesilhas e avançou na direção sul do continente, consta que para se prevenir da expansão e da cobiça castelhana diante da descoberta do ouro das Gerais. Sua economia se fundava na exploração da erva-mate e na atividade tropeira, que se mostra hoje diversificada, mas cresceu, sobretudo como parada de pouso e invernada, com o aumento do comércio do gado que provinha da Região Platina, pelo caminho do Viamão.

Porém, sob essa visão histórica a cidade ocupou papel de destaque como um dos principais bastiões da nossa formação e desenvolvimento econômico e social, pela ocupação de grande parte do sul do Brasil, nos espaços abertos pelas tropas de muares levadas à feira de Sorocaba.

Hoje, porém, representa, em princípio, um dos maiores centros turísticos do país, como conserva também o destaque de sua contribuição na composição do perfil da própria figura do paranaense e seus hábitos pessoais, como resistiu igualmente à ocupação e à partilha do seu território tanto quanto contribuiu para a formação da consciência regional e de suas lideranças políticas e expressões maiores da vida cultural do Estado, como confirma ter sido oficializada, recentemente, como Capital Brasileira da Cultura, constituindo o sexto município do país a receber esta homenagem.

Hoje, a cidade constitui um dos pontos turísticos de maior atração em todo o país, pois conta com 258 construções históricas, em 14 quarteirões, tombadas pelo patrimônio nacional, compondo um centro histórico colonial português com características bem originais.

A cidade é um cenário turístico ao ar livre que deixou, por sua bravura na guerra civil da Revolução Federalista de 1893, não só a memória de uma grande devoção à República, como também o modelo de uma resistência heroica e extrema, que a torna merecida de ganhar, como pleiteia, o título de “Cidade dos Heróis”.

Sua memória integra a história nacional e já foi tema até de reconstituição cinematográfica, como também se acha igualmente preservada no Museu Histórico, no Museu de Armas e na Casa da Câmara e Cadeia, além do Panteom, onde repousam os restos mortais dos seus heróis. A Lapa é também referência religiosa nacional com seu santuário de São Benedito e suas peregrinações, além da atração do seu turismo místico representado pelo Parque do Monge e a existência do seu “profeta” João Maria. A Lapa, como se sabe, oferece também atração gastronômica especial com seu feijão tropeiro, sua paçoca de charque e seu torresmo, além do beiju.

Tudo isso oferece aos visitantes, portanto, um quadro vivo e saudoso que permite rever grande parte de suas raízes históricas e, sobretudo, as do período colonial e do império.

Porém, não é só disso que nos propusemos versar sobre a Lapa, mas, sobretudo, registrar a divulgação do livro “Saberes e Sabores, Costumes e História da Lapa II”, 123 p., edição da Associação Literária Lapeana e do Sesc Paraná, em cujo número colaboramos e recebemos seu exemplar nesses dias. A Associação é entidade fundada em julho de 1873 por intelectuais, poetas e escritores com o objetivo de promover e preservar a cultura e de toda sorte de memória histórica e literária no seu amplo sentido. Porém, embora contando com um passado tão remoto a Associação teve que suspender suas atividades diante da Revolução Federalista e só retornou em setembro de 2004.

Para mim, porém, ela tem uma particular distinção: é uma entidade de caráter predominantemente feminino pois, dos seus 24 membros, 19 são mulheres e cinco homens. Traz 41 textos, históricos, memórias, sabores e poesias, sendo 31 de autoria de mulheres e 10 de homens. Bonito de ver, portanto, a presença da mulher lapeana.

Sua presidência é também de uma mulher: Valéria Borges da Silveira, escritora e poetisa, jornalista e gestora cultural, com inúmeras graduações superiores e diversas obras publicadas, igual a tantas outras companheiras, como a professora Ieda Maria Inês Woitowicz, Ana Balbina Gomes Wille, Oricéla Benedita Santos de Oliveira, Nídia Genin, tantas delas professoras, mas quase todas devotadas ao culto das letras e às memórias lapeanas que são tão ricas…

O livro traz pouco sentido histórico, propriamente dito. Versa em geral sobre a vida simples, caseira, íntima de uma pequena comunidade do interior, seus hábitos e tradições. Revive personagens da terra, sua cozinha tradicional, suas crenças, episódios e hábitos domésticos. A adesão das mulheres não se reduziu, no entanto, à simples participação no livro comum, pois, como fez Ieda Maria, ofereceu, sete belos artigos com receitas de doces e comidas, que fazem da Lapa uma tradição gastronômica. Ana Balbina deu três contribuições, entre as quais, como a do belo Santuário Diocesano de São Benedito. Por igual, participou Nidia Genin, nossa historiadora da herança italiana. Valéria, deixou igualmente duas lindas mensagens, do coração da menina ainda medrosa à mulher hoje realizada, a serviço do culto de sua terra de gente guerreira, mas hoje semeada de paz e amor. Enfim, o livro vale também como uma celebração da mulher lapeana, cuja bravura e amor não está registrada apenas no episódio do Cerco da Lapa, quando, diante do assédio de três mil furiosos revolucionários federalistas ou maragatos, as lapeanas se recusaram a se proteger da morte, abandonando simplesmente a cidade, como noutros tantos episódios, de igual sentido, em que podemos recolher a intrepidez e o amor da mulher lapeana pela sua terra e pela grandeza de sua geste e história.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagens: cedidas pelo autor