O filósofo, político e escritor francês Charles-Louis de Secondat, conhecido como barão de Montesquieu, ou simplesmente Montesquieu (1689-1755), estabeleceu com seu livro “O espírito das leis”, a divisão de poderes. O Estado não poderia mais ser controlado pelo poder absoluto do monarca.

Mesmo as monarquias, e Montesquieu nunca deixou de ser um deles, necessitariam dividir as forças, para, a partir daí, diminuir o poder absoluto do Estado sobre o cidadão e aumentar a influência do homem comum sobre o poder político.

A consequência de suas ideias foi a modernização do Estado, o aumento da participação popular nas decisões coletivas e os consequentes e graduais aumentos da segurança social, diminuição da pobreza e violência.

Durante um século e meio o ideário de Montesquieu tornou o mundo melhor.

O primeiro grande sinal de fadiga de suas ideias foi a explosão da Primeira Guerra Mundial (1914-18). Forças monárquicas e democráticas chocavam-se dentro do grande caldeirão europeu, disputas étnicas, religiosas, ideológicas e novas descobertas científicas e o consequente reflexo de toda essa tempestade nas artes, fizeram transbordar os diques do pensamento montesquiano. O mundo se quisesse continuar com seu progresso político-social precisaria reformar as ideias do grande pensador.

Vinte anos depois, sem que a reforma tivesse sido feita a Europa foi devastada por um tsunami político chamado nazismo, que derreteu o coração de um humanismo com séculos de peso. Veio a guerra e depois a paz. O mundo precisava renascer, a doença aparentemente havia sido extirpada, mas o medo sobreviveu, virou contestação, depois riqueza e desencanto. Montesquieu envelhecia. Os novos-velhos Estados continuavam com a mesma estrutura de duzentos anos atrás.

A tecnologia avançou exponencialmente, a quantidade de informação disponível no mundo passou a dobrar primeiro a cada década, depois a cada dois anos, seis meses, quarenta e cinco dias…

A democracia passou a ser não um instrumento pelo qual se atinge o bem-estar, mas o objetivo último “…antes de sermos felizes precisamos ser democráticos.” O meio transformou-se em fim. O indivíduo afoga-se em informações inúteis e perde a capacidade de priorizar raciocínios, deve seguir uma prioridade decidida pelos controladores e distribuidores de informações. O que vale é o instante, o prazer individual, que ironicamente, torna-se coletivo.

O homem do século 21 é um náufrago isolado em sua pequena ilha de prazeres sensoriais e rodeado por oceanos de informações radioativas. Montesquieu não serve mais para esse mundo. Os governos nacionais e a própria noção de Estado começam a perder solidez. As megacorporações e o oceano de informação, grandes forças que comandam o mundo, desconhecem fronteiras físicas.

A nova divisão de poderes, que antigamente atendia pelos nomes de executivo, legislativo e judiciário, agora, talvez, possa ter apenas duas categorias: humanidade e tecnologia. Essa última sendo ferramenta para o desenvolvimento e bem-estar da primeira. Governos, em todas suas formas de atuação, podem ser exercidos de maneira muito mais eficiente e infinitamente mais barata por supercomputadores. A computação quântica já é uma realidade e em poucos anos será de tão fácil acesso quanto os smartphones. Computadores quânticos de pequeno porte possuem um poder de processamento bilhões de vezes maior do que os mais poderosos computadores tradicionais. Pequenos e grandes problemas administrativos poderão ser resolvidos a custos baixos e de maneira quase instantânea. Sensores dos computadores detectarão a formação de buracos em uma estrada e imediatamente comandarão pequenos robôs que realizarão o serviço de tapá-los.

Hoje em dia fala-se muito em corrupção, e apesar de ser um grande problema social, do ponto de vista financeiro é algo infinitamente menos nocivo do que o desperdício, a ineficiência e as decisões mal tomadas. Ao sermos governados por supercomputadores extinguiríamos desperdício e ineficiência e eliminaríamos a possibilidade de escolhas equivocadas. Até mesmo a democracia poderia ser incluída nessa nova forma de governo. Todo o espectro político-ideológico faria parte da programação dos supercomputadores, dessa forma todas as ideologias serviriam de influência para as decisões da máquina, que eliminaria apenas os desperdícios e repetições, e receberia atualizações periódicas através de representantes do povo (eleições). Novas leis e decisões jurídicas também poderiam emanar de inteligências artificiais, inteligências que incluiriam em si algoritmos que jamais permitiriam que a máquina passasse de administradora para tirana. O homem, portanto, permaneceria livre, e talvez, pela primeira vez na história, pudesse descobrir as delícias de, parafraseando Nietzsche, descobrir-se “humano, demasiadamente humano”.

  • Autor: Acadêmico Guido Viaro