Segundo a FGV Social e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), somos hoje, no Brasil, uma população de 26 milhões de pobres, abaixo da linha da pobreza, com renda familiar que não alcança quatrocentos reais. Pobre, para o Banco Mundial e na versão familiar, é quem ganha até US$5,50 por dia.  E isso nos coloca entre os países mais pobres do mundo e o segundo deles com maior desigualdade de riqueza da população. Porém, o que acontece aqui, acontece também no chamado primeiro mundo e retrata um fenômeno aparentemente semelhante, mas num outro plano, porque lá, apesar deles deterem uma imensa riqueza nacional acumulada, persiste ainda uma crescente desigualdade na sua distribuição social.  Assim nos Estados Unidos, três dos seus maiores bilionários detém, por sua vez, riqueza tão grande que corresponde à de 160 milhões dos mais pobres; assenhoreando-se de quase cinquenta por cento de toda a riqueza do país.

Quanto a nós, diz a revista “Veja” que, hoje os nossos cinco maiores bilionários chegam a ter uma riqueza de 85 bilhões de dólares, o que corresponde à metade do que tem a população mais pobre.

Assim, independente do seu acúmulo a desigualdade mundial persiste e ainda aumenta e é cada vez mais injusta!…

A riqueza do mundo é, na verdade, um fenômeno relativamente recente, mas, nesses tempos atuais sua distribuição tem demonstrado ser cada vez mais injusta. Ora, sabemos que o capitalismo surgiu no século XVIII, como resultado da expansão do mundo e das atividades do comércio. Mas foi a partir do século XIX, com o advento da Revolução Industrial, que as máquinas passaram a substituir o trabalhador na produção da riqueza.

Até então o trabalhador era independente e sua função era suprir com seu trabalho o mercado de matéria prima. Quando surgiu a máquina para ocupar o seu lugar, ele se converteu em parte dela e em assalariado do patrão, que a possuía. Então a riqueza se multiplicou, mas até há pouco mais de um século atrás, o milionário, propriamente dito, o que se distinguia dos demais era quase só o americano John Rockfeller.

Por sua vez, numa resenha simples o historiador inglês Walter Scheidel sustenta que o começo dessa desigualdade é ainda mais remota, e começou com a conversão do hominídeo errante em sedentário, quando saltou da árvore e se fixou na terra, como produtor de riqueza.

Foi então que o homem encontrou a oportunidade de desenvolver habilidades e criar utensílios que passaram a compor um patrimônio pessoal, que acumulado no tempo pode transmitir a seus sucessores. Porém, já nos tempos modernos, com a gradativa substituição do trabalhador pela máquina, seu espaço social foi ficando menor e a riqueza passou a sinalizar as distâncias sociais. E a humanidade se dividiu em classes em torno da riqueza e da soma de poderes que ela passou a representar, acumulada nas mãos de menor número.

E assim se constituíram as desigualdades e as exclusões, que, à medida que se agravavam e encontravam resistência, a sociedade foi criando anestésicos e antídotos contra o mal da pobreza que se generalizava e ameaçava se revoltar.

Um desses amortecedores mais simples foi converter a pobreza em virtude espiritual e fazer do desprendimento dos valores materiais da vida, uma das maiores benemerências para alcançar as graças do além-mundo; reino da perfeita igualdade e plácida bem-aventurança. A riqueza, por sua vez, não passou então de simples credencial passível de confirmação.

A desigualdade, porém, passou a assumir formas tão contundentes que as classes dominantes passaram a fazer concessões para poder manter suas instituições e seus privilégios. Conta-se que houve governo dos tempos medievais que distribuiu dinheiro aos pobres, na esperança de paliar as diferenças e estimular as ambições, mas eles só serviram para gerar filhos e aumentar as desigualdades.

Como a reação passasse a assumir maiores formas de insubmissão, próprias de sua organização e reação crescente dos oprimidos, o sistema de políticas públicas passou a conceder “direitos”, que,  gradativamente se converteram em benefícios, como o salário-mínimo,  tempo de trabalho, descanso remunerado, aposentadoria por tempo de serviço ou incapacitação,  previdência e tantos outros benefícios de caráter trabalhista e social, na esperança de acomodar o sistema e manter a convivência social com a submissão do trabalhador.

Assim, é certo que, à medida que esses “direitos” foram estrategicamente concedidos o capitalismo se manteve seguro, contendo os trabalhadores dentro dos limites de suas reclamações e benefícios de natureza trabalhista, afastando, portanto, as reivindicações da natureza política e social, que garantiam ficar a riqueza e o poder em mãos das classes dominantes. Seria uma forma de afastar da classe trabalhadora sua própria consciência e seu espírito revolucionário: o fogo sagrado de sua missão messiânica.

Vejo agora, porém, que embora Walter Scheidel confesse a conquista de benefícios sociais, com a melhoria da renda per capita e a diminuição das distâncias sociais, a pobreza jamais será expurgada da terra, senão na hipótese da humanidade sofrer uma grande catástrofe, como a das guerras do passado, ou revoluções e epidemias, com tal de nível de destruição que obrigasse a sociedade a se reconstruir, desde o zero.

Certamente me filio aos que não crêem na possibilidade de construir uma humanidade em que as riquezas se distribuam por igual entre todos seus membros. As experiências do passado demonstram essa impossibilidade e antecipam sua persistência na visão do futuro. O tema é sempre um desafio e resiste à pretensão a tentar resumi-lo. Porém, felizmente já se vislumbra no horizonte atual, o prenúncio de que essa igualdade procura ganhar forma e que, embora ainda fora do seu alcance, tenta, no tempo, uma proximidade que, se for servida por uma política social bem dirigida, atribua à igualdade a mera condição de abstração, como vício de imaginação e alimento da propagação da cobiça e da inveja, haveremos de construir um mundo ainda melhor, confiando sua construção ao poder do nosso próprio trabalho e ao orgulho de nossa inteligência e aos dotes de nossa criação. Cedo, portanto, diante dessa bela esperança…

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo