A imigração dos poloneses para o Brasil constituiu um dos mais importantes fluxos migratórios do processo de colonização e desenvolvimento do nosso país.  A corrente emigratória polonesa veio para o Brasil entre os anos de 1870 a 1914, e se localizou na maior parte em São Paulo e no Paraná. Os primeiros deles foram levados a Brusque, em Santa Catarina, mas logo transferidos para Curitiba e São Bento, por alegarem que não se adaptavam ao clima local e enfrentavam um convívio hostil com o grupo alemão, com o qual cumpriam o mesmo destino.

Hoje se estima que os poloneses e seus descendentes do Brasil somam mais de 800 mil, representando o grupo maior da etnia da América Latina e o terceiro deles no mundo, depois dos Estados Unidos e da Alemanha.

A imigração polonesa foi estimulada pela necessidade de promover o povoamento do nosso território, substituir a mão de obra escrava e promover o branqueamento da população, mas, particularmente, devido às restrições impostas pelo governo da Prússia à vinda do grupo alemão, o governo procurou substitui-lo pelo polonês, favorecendo-o mediante a concessão de terras, o custeio da viagem e sua adaptação inicial.

Ocorre que, a esse tempo, a Polônia se ressentia da perda da liberdade e da ocupação do seu território, além da crise da agricultura, cuja mão de obra não conseguia ser absorvida por uma incipiente atividade industrial. A princípio os poloneses eram 95% agricultores católicos, embora no começo do século XX esse contingente passasse a ganhar um perfil mais político, provocado pela presença do espírito revolucionário de jovens ou de judeus fugindo do antissemitismo, além da presença do fascismo.

Depois dessa primeira localização, os poloneses se situaram porém em colônias nos arredores de Curitiba, como Tomas Coelho (Araucária), Muricy (São José dos Pinhais), Santa Cândida, Orleans, Lamenha, Pilarzinho e Abranches.

No interior, ocuparam as cidades de Cruz Machado, Rio Claro, Eufrosina, São Mateus, Apucarana e Nova Galícia.

Eram quase todos agricultores (95%) e de forte sentimento religioso. Ocupavam-se exclusivamente da agricultura, mas muitos deles se incorporaram à mão de obra da construção de estradas de ferro e rodagem.

Era gente de vida simples, em grande parte analfabeta, mais afeita aos hábitos rurais. Diferente dos alemães que procuravam as cidades e ganharam destaque no comércio e suas iniciativas industriais. Por sua vez, a mulher polonesa era parceira do homem no campo e na vida doméstica, e por sua compleição robusta, passou a contribuir para a renda familiar trabalhando como doméstica nas casas particulares.

Por essas ou outras razões, como a de se confinarem nas comunidades de origem e preservarem seus hábitos e sua língua, a etnia acabou se ressentindo de manifestações preconceituosas da parte do povo e até do setor acadêmico, como registraram o escritor Wilson Martins e o sociólogo Octávio Ianni, que o polonês, entre as outras etnias, era o de categoria mais inferior, constituindo o nosso “negro ao avesso”. Também a mulher polaca era vista na figura da mulata de Jorge Amado e do nosso patriarcado colonial. Era então a nossa “mulata ao avesso”.

Assim, no convívio social ela foi perdendo o gentílico de polonesa para assumir o de polaca, que trazia ao lado da sedução feminina uma imagem erótica de forte excitação sexual, que a condição de mulher branca, loira e de olhos claros, com perfil europeu, estimulava ainda mais a cobiça masculina.

Assim se diz que, no final do século XIX, o nome de polaca estava associado à condição geral de prostituta.

Na verdade, esta é uma das razões para que esse quadro menor da polaquinha seja retomado e ampliado, para poder incorporar a imagem maior da presença da polaca prostituta que, a partir de 1867, foi retirada das aldeias pobres da Europa oriental e trazida, numa primeira viagem à América, 67 delas para o Rio de Janeiro e as outras 37 para a Argentina.

E essa presença passou a inaugurar no Brasil parte do tráfico internacional de mulheres que a rede judaica Zwi Migda promovia explorando o comércio de mulheres brancas. O recrutamento era feito nas aldeias pobres da Europa, da Polônia, da Rússia ou da Galícia, através de cafetões ou proxenetas, que se aproveitavam da condição de pobreza e da marginalidade de mulheres jovens, para seduzi-las com a promessa de casamento e as riquezas da América. Eram então trazidas para cá, corrompidas e condenadas a se entregarem ao mercado do sexo para poderem sobreviver, no submundo de um país com a língua e costumes estranhos, e onde foram mantidas segregadas da sociedade em geral e da própria judaica, além de excluídas das lápides centrais dos cemitérios.

Ora, por sua vez, penso que a imagem da polaquinha jovem, anônima, loira, sedutora e esbelta, como na memória celebrada pela imigração polonesa em tantos livros e protagonizações do teatro, além de servir de mote para tantas inspirações poéticas e canções do repertório popular, possa sentir ainda, no seu veio, a fusão refinada que faça com que sua graça possa ser mais que a sexualidade da mulher prostituta ou da mulata das senzalas, que serve apenas à sensualidade masculina.

O tema tem inspirado muitos dos seus intérpretes que autorizam sua permanência desse quadro, quando é natural que se reconheça que o juízo humano tem sua própria dimensão, sensível às circunstâncias que o compõem, e que nos autoriza a proferir um aparentemente ousado “quero mais”, para então reclamar que, se mantidas constantes as circunstâncias, o tempo ainda possa ser confirmado, ou, quando não, então favoreça sua revisão.

O pensamento humano tem a consistência do etéreo e as formas do infinito, quem sabe se um futuro inopinado não vai permitir reconciliar as duas imagens numa só, seja a da mulata do avesso com a do modelo travesso da polaquinha?

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor