Alagoas é uma das nossas unidades federais de menor extensão territorial e população. Acusa também, a maior taxa nacional de analfabetismo e mortalidade infantil.

Porém, por sua vez, se orgulha de contar entre seus filhos com uma ampla galeria de meia centena de figuras ilustres da história política e militar do seu estado, projetadas tanto no cenário nacional como no internacional, abrangendo mais ainda o das atividades literárias e outras formas de ciência e arte.

Assim, essa conta inclui o tempo do Império, com a presença dos alagoanos Barão de Penedo e Vicente de Inhaúma. A proclamação da República, por sua vez, foi obra também da implantação e consolidação de dois dos seus maiores conterrâneos, Marechal Deodoro e Floriano Peixoto.

Outros tantos mais se incluem nas suas letras, como Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Artur Ramos, Aureliano Viana, Tavares Bastos, Jorge de Lima, políticos da projeção e porte de Goes Monteiro, Collor de Mello, juristas internacionais como Pontes de Miranda e mais o matemático Manfredo do Carmo, doutor em matemática por Berkeley, na Califórnia, com livros traduzidos até em alemão, russo e chinês; também Nise Magalhães da Silveira, médica psiquiatra, discípula de Jung, que revolucionou o tratamento mental no Brasil do século XX.

Ora, com todo esse plantel superior, Fábio Luis de Lessa Carvalho, professor e procurador-geral do Estado, editou em 2006 seu “Atrevidos Caetés”, livro que oferece meia centena de crônicas e entrevistas com figuras alagoanas de destaque no cenário mundial, servindo-se da alegoria do episódio histórico da tribo dos caetés, da língua tupi, no episódio do sacrifício antropofágico do bispo Pires Sardinha, o primeiro do Brasil, e de sua comitiva, no naufrágio de 1556, da caravela portuguesa, na foz do rio Coruripe, do litoral de Alagoas.

Minha impressão inicial foi, naturalmente, a de que, por um lado, seu intento foi o de exibir o expressivo contingente de seus conterrâneos, mesmo a despeito das dificuldades materiais do desenvolvimento do seu Estado, bem como, levado pelo mesmo, mas ainda maior, procura estimular as gerações mais jovens dos seus leitores, a imitar o exemplo do espírito guerreiro do natural da terra para demonstrar que conservam o mesmo vigor dos caetés, e de sua ousadia, no confronto ou na disputa da posse da sua terra, mesmo em frente aos mais poderosos que eles.

Ora, a iniciativa de Fábio Luiz me induziu (ou foi mera coincidência?…) a imitá-lo e a exibir igualmente sessenta dos nossos exemplos pessoais ou momentos representativos de nossa vida cultural ou social, através do modelo emblemático de um natural da terra, na figura também de um índio, mas que guardasse bastante semelhança com o temperamento, a força de vontade e a consciência histórica do paranaense, revelados na construção do seu destino e do futuro do seu país.

Ora, o Paraná ostenta expressiva distância de Alagoas, posto que, a seu contrário, detém um território maior, além de uma população de número superior, e que se sobrepõe com índices maiores de desenvolvimento material e condições sociais de vida. Mas, a despeito desses aparentes benefícios, o Paraná, se ressente, também, já há algum tempo, de sofrer manifestações de baixa estima e confiança dos seus próprios filhos, em setores de maior visibilidade, como os de suas próprias letras e lideranças sociais, como ocorreu com o anátena de Pinheiro Machado, na edição da revista “A Ordem”, de 1930, em que afirmou que o Paraná era um estado sem relevo e sem identidade.  Por sua vez, o jornalista pernambucano Fernando Pessoa Ferreira retribuiu o acolhimento recebido de nossa cidade, dizendo que Curitiba era um exílio e o paranaense uma tribo que se alimenta de pinhões e seu inverno vai de janeiro a dezembro, no resto do ano chove. Para Dalton Trevisan, que é de casa, quando vinha a Curitiba costumava anunciar em francês: “je vais à Curitiba pour m’emmerder”.

O jornalista e acadêmico Luiz Geraldo Mazza, por sua vez, sustenta que o paranaense se ressente desde o Império de um irreprimível pendor autofágico, dissolvente e desagregador de se consumir, passando pelas oligarquias dos Munhoz da Rocha e Camargo e seguindo pela fase hegemônica de Manoel Ribas e Vargas até o lupianismo e sua reviravolta com Ney Braga.

Ora, na verdade e até pelo contrário, a autofagia é hoje Prêmio Nobel de Medicina de 2016, pelo qual foi laureado o médico japonês Yoshinori Ohsumi, por criar um processo de limpeza e “reciclagem” das células humanas.

Mas, posto assim, e a troco de escolher um símbolo humano e original que valha, por igual, para representar o “ethos” paranaense, supomos então que possamos nos servir, por igual alegoria, dos índios carijós do nosso litoral, aparentados dos guaranis e que ocupavam toda a costa meridional do Brasil.

Foram considerados “os melhores gentios da costa”, pelos primeiros povoadores, todos eles trabalhadores dóceis e bem intencionados, guardando semelhança, à primeira vista, com o modelo e a visão preponderante do próprio paranaense e aos olhos alheios, sobretudo pela nossa formação histórica, em que nos fez crescer e sermos povoados através de uma política consciente, de confirmação do nosso território e sua ocupação humana, mediante projetos internacionais de colonização. Não tivemos guerra de agressão mas de defesa de nosso território, apesar das ambições vizinhas e de suas lesões (até estrangeiras), confirmados por acordos e o acatamento a decisões judiciais de recomposição e de domínio.

Não temos, portanto, modelo de agressão, exclusão ou hostilidade dirigida contra nossos vizinhos ou outros, senão de acolhimento geral e confraternização. Os caetés são um modelo de guerra e hostilidade, que ficaram conhecidos como “inimigos da civilização”, para quem construir é preciso resistir e se opor. Diversamente do símbolo do nosso carijó, para quem a lição é a de seguir a linha do seu próprio perfil social e histórico, pois o progresso é tanto mais uma conquista do nosso próprio esforço e persistência. A riqueza para ser verdadeira e segura deve ter o poder de se multiplicar para se converter em benefício e proveito do maior número.

Eis aqui, então, nosso modelo alegórico da semelhança da nossa origem natural, virtual, por certo, mas tirado de uma mesma terra, onde já existia a seu tempo, e as circunstâncias fizeram completar a fisionomia que hoje semelha ter.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto do autor: arquivo APL
  • Imagem: Designmundi por Pixabay