O projeto de ocupação e desenvolvimento do norte do Paraná corresponde a um dos capítulos mais relevantes da história paranaense, pelo seu surpreendente sucesso agrícola e social, tanto pela ocupação humana de toda a sua extensão, como pela sua conversão num dos maiores polos agrícolas do país e o Brasil o maior produtor de café do mundo.

Igual a todo projeto social, ele foi parte de uma promoção comum de desenvolvimento do país que, no particular, trazia, entretanto, uma motivação maior por se tratar de uma Inglaterra premida pela exaustão do final de uma guerra mundial e pela necessidade de procurar recompor suas dificuldades financeiras, frente a um alto nível de desemprego e danos constantes da inflação, compelindo-a a cobrar os devedores do país, assim como o Brasil, que tinha uma antiga dívida externa com o grupo Rothchild & Sons que ultrapassava os limites do seu poder de cumpri-la.

Foi então que em 30 de dezembro de 1923 desembarcou no Rio de Janeiro o navio Araguaya, da Mala Real Inglesa, trazendo a chamada Missão Montagu, chefiada pelo barão Lorde Montagu e integrada por financistas de Londres, entre os quais o Lorde Lovat, diretor da Sudan Cotton Plantation Syndicate e um dos assessores do governo inglês.  Mas, a pretensão inglesa não se cingia apenas à renegociação da dívida, porque a pretexto de promessas de investimento incluía proposta de reforma monetária e a compra ou privatização do Banco do Brasil, além da conclusão da ferrovia Ourinho-Cambará e seu prolongamento até Apucarana.

O propósito do cultivo do algodão levou o Lorde Lovat a visitar a fazenda do Bugre, em Cambará, no Paraná, uma rica propriedade do major Barbosa Ferraz, de cinco mil alqueires e um milhão de cafeeiros, que de tal forma o impressionou que se dispôs a comprá-la mediante a oferta de uma verdadeiro fortuna, mas o proprietário recusou.

Seu propósito até então era o da cultura do algodão e não do café, o que o levou ainda a fazer incursões em outras terras e regiões, até ser convencido a efetivar seu investimento em terras devolutas do Estado, aproveitando o baixo custo e as facilidades oferecidas aos projetos de colonização.

E, pensando assim Lorde Lovat voltou a Londres em 1924, onde, na companhia dos demais sócios, fundaram a Brazil Plantations Syndicate Lda. e, em 25 de outubro de 1925, adquiriram do Estado do Paraná, através de sua subsidiária brasileira a Companhia de Terras Norte do Paraná, a área de 350 mil alqueires (8,470 km2), contendo concessões anteriores da Companhia  Marcondes de Colonização  – Indústria e Comércio e terras devolutas. Ainda em 1925 a Companhia comprou outros cem mil alqueires, além de outras três glebas, totalizando a compra de 544.017 alqueires, em 1944, incluindo ainda a Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná.

E foi assim, nesse amplo espaço que se promoveu um projeto inédito, bem dirigido e bem cumprido, de colonização do Estado que, associado a outros 41 planos iguais, foram responsáveis pelo povoamento e desenvolvimento de todo o norte, paranaense, criando 96 núcleos urbanos, da CTNP e 62 de outras imobiliárias. A população regional passava de pouco mais 340 mil em 1940, e alcançou mais de 1 milhão na década seguinte, para atingir 1.843.678 em 1960, enquanto a produção do café ocupava toda a região e o Paraná era o seu maior produtor.

Ocorre que com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e sua participação, o governo inglês passou a adotar a política de repatriação compulsória dos capitais aplicados no exterior, que somados à política nacionalista adotada pelo governo Vargas, em relação às empresas estrangeiras, a Companhia de Terras do Norte do Paraná foi compelida a ser vendida a um grupo nacional, com apoio do Banco Mercantil de São Paulo, a partir de cuja posse passou a se denominar Companhia Melhoramentos Norte do Paraná S/A – CMNP.

A venda, porém, não mudou o objetivo do empreendimento que seguiu sendo o  de promover a ocupação e o desenvolvimento econômico e social da região, como na versão  adotada pela historiografia oficial, fundada, sobretudo, no modelo oferecido pela própria Companhia no seu livro “Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná”, de 1975, no qual, de um lado, ela se atribui a iniciativa do  papel pioneiro de todo o processo colonizador da região e, ainda mais, assumia  a iniciativa de ter promovido sozinha a  reforma agrária de quase toda a extensão da área, mediante a distribuição da terra na forma da pequena propriedade, reservando para si, enfim, o direito de arrogar à sua iniciativa e responsabilidade o planejamento de todas as cidades da região.

O papel povoador e de colonização da CTNP/CMNP em nosso Estado tem provocado um amplo debate nesse tempo todo, mas é mais forte ainda em nossos dias, não só pelo interesse em conhecer melhor esse importante capítulo da nossa história, como pelo intuito de contribuir com sugestões ou versões pessoais, que possam favorecer sua interpretação, ou, quando não, desfazer eventuais distorções ou a persistência de erros ou mitos fomentados pelo tempo ou alimentados por  interesses subalternos.

Assim o trabalho de Murilio Rompatto e Erika Leonel Ferreira, oferecido ao XXXV Encon-tro Geohistórico Regional, procura desfazer dois dos mitos tradicionais sustentados pela própria Companhia em seu livro comemorativo, um deles o correspondente ao “vazio demográfico” do início da colonização (1930), cuja versão contrariam com a presença de posseiros e antigos concessionários na mata, mediante testemunhos do diretor da empresa e do próprio Lord Lovat. Além disso registram vestígios de aldeias de índios Coroados em Tamarana e remanescentes dos  Kaigangs recolhidos em São Jerônimo da Serra.

Além desses registros humanos, os historiadores aludem a terras de Barbosa Ferraz e à concessão, em 1919, de 500 mil alqueires no norte do estado à Companhia Marcondes Industrial e Comercial Ltda., de José Soares Marcondes, depois transferida aos ingleses da CTNP, para a construção da ferrovia São Paulo-Paraná; além da menção à Cia. Marcondes e à política de ocupação e colonização do território da concessão, desde 1889, com outros 2.100.000 hectares,  ao grupo anglo-americano da Braviaco para a construção da estrada São Paulo-Rio Grande, depois confiscados.

A proposta acadêmica também procura desmistificar a versão de que o projeto de colonização da CTNP/CMNP, mediante o loteamento e venda de terras sob a forma da pequena propriedade, continha o propósito prioritário de implantar a reforma agrária na região, como disse um dos seus diretores, quando, na verdade, o traçado obedecia à prioridade de um modelo próprio de comprador pequeno proprietário, de escasso recurso e  de lavoura de subsistência, além de adotar a forma retangular do lote e do traçado das vilas, voltados a favorecer o convívio dos sitiantes e a promoção da  socialização dos seus membros. Além disso a CTNP não foi pioneira da colonização na forma de pequena propriedade porque outras empresas, antes dela, já vinham fazendo o mesmo tipo de loteamento, da mesma forma de distribuição de terras e diversos proprietários adquiriram mais de um lote, formando até 150 alqueires.

Enfim, todo o processo de ocupação e desenvolvimento do Norte do Paraná foi, de fato, um episódio bem sucedido de promoção geral e criação de riqueza regional significativa, que constituiu modelo para o país e o mundo. Porém, como todo evento histórico ele ofereceu uma visão de diferentes planos que, além do alcance pessoal e fragmentário ele favorece, no geral, uma visão do conjunto, para uma melhor e mais completa interpretação.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: vandelino dias Junior por Pixabay