O continente europeu, bem antes do seu tempo histórico, foi objeto da incursão de inúmeros povos de natureza e origens diferentes, que, em razão do seu intercâmbio natural e da própria permanência, deram causa a diferentes nacionalidades, representadas por grupos étnicos com maior ou menor representação, como os russos, alemães, italianos etc., e tantas outras minorias étnicas. Mas, apesar do desenvolvimento material e cultural alcançado, nem por isto o continente se eximiu de problemas sociais, produtos das condições de vida, saúde, higiene e pobreza em largas faixas da população, para que, no final do século XIX e nas entre guerras passassem a oferecer base teórica para políticas artificiais de melhoria da condição da espécie humana, para o aperfeiçoamento racial, com a exclusão dos inaptos e degenerados, produzidos em parte pela miscigenação de populações mais pobres, oriundas sobretudo do leste e do sul europeu.

Ora, a eugenia preferiu adotar dois caminhos, um deles o da “eugenia negativa,” igual à que prevaleceu nos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Suécia, que correspondia na implantação de projetos radicais de esterilização, controle matrimonial e eliminação dos chamados “débeis mentais”, a propósito do racismo científico. Para eles o material genético não podia ser alterado no curso de apenas uma vida. Seus traços indesejáveis só podiam ser eliminados pelo controle da reprodução, assegurando o predomínio da raça branca. Assim, entre 1907 a 1945, mais de 70 mil pessoas foram esterilizadas nos Estados Unidos e ainda no começo do século XX houve estados americanos onde a própria lei considerava blac, todo aquele que tivesse uma gota de sangue negro nas veias. E a esterilização foi ainda mais severa nos programas eugenistas do Terceiro Reich, com 400 mil delas. Por outro lado, o da eugenia “leve” ou “positiva” a melhoria racial era confiada aos maiores cuidados com a saúde e a educação, através de uma política ampla e sadia, capaz de prevenir e proteger o povo da degeneração da vida causada por legados disgênicos da má hereditariedade.

Ora, essa visão privilegiava a hegemonia da raça branca, alegando que a   degeneração do homem se dava pela miscigenação com povos inferiores e essa convicção passou a repercutir nas comunidades científicas e sociais do mundo e em particular em nosso país, visto, então, como uma ex-colônia, que resultou do trabalho escravo de negros e que, à altura de 1900, ainda contava com uma população de apenas 17 milhões, da qual metade era de negros, ex-escravos e seus descendentes, só recentemente integrados na nacionalidade, com a abolição da escravidão.

Assim, diante desses prognósticos negativos previstos para o nosso destino, os representantes das comunidades científicas e representações sociais e políticas do país, como Roquete Pinto, diretor do Museu Nacional, o jurista Oliveira Viana, Artur Neiva, Belisário Pena, Gilberto Freyre e João Batista Lacerda passaram a assumir uma atitude  de defesa da nossa população, visando a “redenção” de nossa herança histórica, no sentido de adotar um programa eugênico de higiene social, baseado em tratamentos médicos, programas de educação e saúde, controle matrimonial e imigração.  Tanto é que, na ocasião, João Batista Lacerda, um dos nossos mais destacados próceres do nosso aperfeiçoamento eugênico, assegurou, em pronunciamento no Congresso Universal das Raças, de 1911, em Londres, que dentro de um século o Brasil estaria majoritariamente branco.

Na verdade, o Brasil passou a adotar desde então (1917-1945), e sobretudo durante o governo Vargas, um amplo programa de alocação de recursos públicos para pesquisas de ensino e saúde, de caráter eugênico, que não só convertia nosso pais num laboratório de raças, mas mobilizava também a nação ao embalo emocional dos cantos cívicos de Vila-Lobos no estádio do Vasco da Gama. Eram 40 mil alunos, de uniforme azul e branco que, à presença do próprio Getúlio e seu ministro Gustavo Capanema, cantavam o “Regozijo de uma Raça” ou o “Hino ao Sol do Brasil”, “Brasil Unido” e “Saudação a Getúlio Vargas” de sons africanos e marchas europeias.

Havia também um calendário cívico que mobilizava a juventude brasileira e era cumprido no Dia da Raça (5 de setembro), Dia da Independência (7 de setembro) da Proclamação da República (15 de novembro) e da Proclamação do Estado Novo (10 de novembro).

A propósito, Jerry Dávila, brasilianista porto-riquenho, publicou recentemente o livro “Diploma de Brancura” (“Diploma of Whitenss, Race and social policy in Brasil”)  que foi sua tese de doutorado na Brown University, de Rodhe Island, nos Estados Unidos, com ampla análise da política social e racial no Brasil, entre os anos de 1917-1945, com  enfoque particular sobre reforma educacional implantada no Rio de Janeiro por Anísio Teixeira e a do Estado Novo de Getúlio Vargas, com a adoção de programas eugenistas, do ideário racista, através de políticas públicas. Para Dávila a ideia da raça brasileira é, na verdade, um fascínio persistente da nossa vida pública e participa até da autoimagem da torcida do clube de futebol, quando o torcedor celebra o Flamengo da “Raça Rubro Negra” ou a “Super Raça” do Gremio. Enfim, repetindo José Edward Dávila que conclui que brasileiro sofre mesmo é de síndrome de bastardia.

Enfim, Renato Kehl foi considerado o pai da eugenização do Brasil, alinhando um plano de cura e regeneração do povo brasileiro, com propostas que incluíam medidas radicais de eliminação de tudo o que representasse elemento disgênico da nossa população, mediante o seu branqueamento e a própria esterilização. Com a segunda guerra, porém, Kehl acabou ficando sozinho, pois ela passou a assumir um caráter genocida e de imagem de intolerância e violência. Renato Kehl assim perdeu os amigos e prosélitos, morreu em 1974, ocupando a cadeira 13, da Academia Paulista de Psicologia.

Mas, o plano internacional da eugenia acabou esquecido? Parece que não, porque se diz que continua cultivada pelo trabalho e o merecimento de autoridades mundiais, representativas da nossa maior ciência revigorada ainda mais recentemente pela edição de 200 novas obras do catálogo internacional.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor