Nos últimos dez anos do século XIX, Curitiba contava com menos de 25 mil habitantes, que passaram a 50 mil à entrada do novo século, para avançar além de 60 mil em 1910. Era a capital da nova unidade republicana, de origem na província criada em 1853. O Estado tinha, ao tempo, a população estimada em 350 mil habitantes. Sua economia se fundava na atividade agropecuária centrada no Oeste e, no Leste, na produção industrial da erva-mate, sobretudo em Curitiba, além de contar com a riqueza da extração de madeira e uma prática agrícola de subsistência.

Porém, o Estado vivia nesse fim de século uma fase de grande prosperidade, centrada na indústria e no comércio do mate, provocada principalmente pela guerra do Paraguai (1865-1870), que excluiu nosso vizinho da concorrência internacional no mercado platino e do Chile e cujo predomínio passou a ser nosso, até as primeiras décadas do século seguinte. Foi um período de belo surto de prosperidade para nossa capital e os senhores da indústria ervateira, que se converteram em barões do mate. Assim, de consequência, essa prosperidade inesperada vai se refletir sobretudo nos padrões de comportamento social da oligarquia do mate, que passa a adotar modelos internacionais de gosto e convívio, promovendo a individualização de sua riqueza e dilatando as distâncias sociais. Diz-se que então esse surto de riqueza procurou ganhar maior expressão através de uma correlata cabocla da Belle Époque, tirada das reformas do Barão Haussmann, dos bulevares floridos, mansões senhoriais e ruas retilíneas, de uma Paris do Segundo Império, ou, então, reutilizando livres formas de estilo do passado.

E, nesse quadro mais amplo, Cândido Ferreira de Abreu, arquiteto, urbanista e à frente da prefeitura da cidade, vai desempenhar o papel de principal protagonista da tentativa de modernizar a capital e lhe imprimir imagens e hábitos aristocráticos europeus.

Cândido de Abreu, nascido em Paranaguá, em agosto de 1856, não integrava o clã da nobreza do mate, mas pertencia a família tradicional do Estado, filho de magistrado e da filha do Visconde de Nácar. Educado inicialmente na cidade natal, transferiu-se em 1879 para o Rio de Janeiro onde concluiu o curso de engenharia na Escola Politécnica, antiga Escola Central. Entretanto, já no ano seguinte à sua formatura, se incorporou à construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, no Amazonas, onde ocupou o cargo de engenheiro de 1.ª classe, mas deixou o trabalho dezoito meses depois diante da ameaça da epidemia da malária, recebendo, entretanto, condecoração da “Ordem da Rosa” e medalha da Sociedade Geográfica Brasileira, por seu trabalho.

Do Amazonas passou ao Rio Grande do Sul, como inspetor de colonização e, em 1885, voltou ao Rio de Janeiro, para atuar junto ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, donde voltou a Curitiba, dois anos depois, a convite do presidente Taunay, para assumir o cargo de diretor de Obras Públicas da Província.

Com a proclamação da República, foi eleito prefeito de Curitiba (1892), onde, embora curtindo um curto período de 11 meses no cargo, promoveu a inauguração da luz elétrica e a revisão da legislação municipal para a implantação de medidas saneadoras e de embelezamento da cidade, que incluíram o enquadramento das construções dentro do perímetro urbano.

Porém, irritado diante de divergências com o legislativo municipal, renunciou ao cargo para logo depois vir a assumir o de Secretário de Obras Públicas, a convite do presidente Francisco Xavier da Silva. Um ano depois, entretanto, passou a integrar a Comissão Construtora da cidade de Belo Horizonte, a convite do seu presidente engenheiro Aarão Reis. Esse período coincide também com a sua nomeação de tenente-coronel honorário do Exército, em razão de destacados serviços prestados à causa republicana, inclusive durante a Revolução Federalista.

Sua volta de participação no projeto de Belo Horizonte vai contar com sua presença entre nós (de 1897-1902), como arquiteto e com envolvimento em projetos paradigmas de um novo tempo e de uma visão renovadora da cidade, por seu perfil fidalgo e europeu, com traçado eclético e ornamentos art nouveau, como as obras do palacete de Ascânio Miró e da Casa Miró, de seu irmão Manoel, no Batel, além do palácio de Leão Júnior, no bulevar 02, do Alto da Glória.

O Batel era então a sede do maior número das residências de ervateiros e engenhos de mate, ponto de parada das mulas que vinham carregadas de erva do interior. A Rua Comendador era a antiga estrada do Mato Grosso, então um caminho de lama e buracos que levava ao palacete de Ascânio Miró, uma ampla e vistosa residência ortogonal e de jardins do estilo eclético e de decoração exuberante, distinguida por seu torreão com cúpula de zinco trabalhado, tudo como proposta de vanguarda. O palácio ficava a uma quadra do sobrado Manoel Miró, ou Casa Miró, residência do seu irmão Manoel Miró que, em 1912, vai servir para as instalação da Universidade Federal do Paraná, sua administração e salas de aulas.

O Palacete Leão Júnior, ou Solar dos Leões, é também projeto de Cândido de Abreu, situado na Avenida João Gualberto, antigo bulevar 02 de julho, destinado a abrigar a família de Agostinho Ermelino de Leão Júnior. É prédio histórico e serve de vitrine da arquitetura eclética do Paraná, por sua janelas em arco e os ornamentos de fachada, representando capitéis coríntios, balaústres, medalhas e leões, que nos remetem ao estilo neoclássico.

Em 1903, Cândido de Abreu foi eleito deputado e, em 1906 senador, onde permaneceu até 1913, para ser levado a assumir a Prefeitura de Curitiba a convite do presidente Carlos Cavalcanti de Albuquerque e se converteu no primeiro prefeito “eleito”  para uma segunda gestão, dotada de poderes da conta de ditatoriais, voltados para a adoção de medidas de salubridade, higiene e conforto público, que o levaram à abertura, alargamento e pavimentação de avenidas e ruas do espaço urbano, incluindo o asfaltamento da Barão do Rio Branco (Rua do Poder), a canalização do rio Ivo e a reforma do Passeio Público, com a arborização das principais ruas e praças e a eletrificação das linhas de bonde. Promoveu também a demolição do velho mercado central, valorizando a área do seu entorno com a construção do Paço Municipal, um prédio de três andares, com detalhes de art nouveau, destinado a ser o primeiro deles a dispor de elevador. Promoveu também a construção do Belvedere (também do seu projeto), sediado na Rua São Francisco, preservando, porém, as ruínas históricas da antiga igreja local e, encerrando assim, em 1916, o período final de intensas realizações, de reestruturação urbana, para a modernização e embelezamento da cidade.

Outros solares senhoriais ainda se incluem no projeto da nouvelle époque curitibana, mas embora sem as mãos diretas de Cândido de Abreu, ele permanece, entretanto, como o protagonista principal desta quadra da arquitetura urbana de nossa cidade.

Vencido o mandato, abandonou então a política e veio a falecer em 1918, aos 61 anos.

Em 1855 o engenheiro francês Pierre Taulois foi contratado para promover o arruamento e retificação das ruas de Curitiba, então elevada a capital da Província. Depois dele, em 1943, veio o Plano Agache, com a proposta de um projeto global de desenvolvimento e embelezamento da cidade. Enfim, Jaime Lerner construiu a imagem da cidade global, como centro de vida social econômica e cultural dentre as melhores do mundo.

Foi, porém, com Cândido de Abreu, que a cidade despertou para a ambição de procurar restaurar para si as imagens de uma vida social, de riqueza e conforto que marcou a Belle Époque, e que, enfim, se não conseguiu realizar, deixou, entretanto, tantas imagens de beleza e plaisir de vivre, cujas lembranças hoje ornamentam nossa cidade.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagens: cedidas pelo autor