Nosso surgimento aleatório como seres viventes, a indiferença da natureza em estarmos vivos ou mortos, as limitações físicas de nossos sentidos externos, nossa debilidade biológica dependente da matéria orgânica, tudo isso nos leva à conclusão de que nossa realidade substancial não é deste mundo e que existe em nós um princípio de consciência que nos transcende, possibilitando que possamos crer num sentido para tudo que ocorre.

Porém, sendo  espíritos encarnados num mundo adverso, não temos condições de supor esta realidade transfigurada apenas  através de uma percepção comum , explorando apenas nossos sentidos físicos. Trata-se, sim, da experiência de uma nova dimensão, obtida por intuição, além do espaço e do tempo, dependendo apenas do alcance de nossa vivência espiritualizada, acessível de forma artificial, como uma iluminação especial. Assim, esta transcendência do espírito, imerso numa materialidade quântica, criará um universo virtual, de emanações etéreas, atingíveis somente por vias simbólicas, mas cujas concreções haverão de tornar coerente nossa realidade contraditória.

Um número infindável de profetas, gurus ou anacoretas consegue ascender a tal estado de superação, por sua vivência diuturna numa atmosfera de revelação, conseguindo atingir essa realidade transcendente. Não obstante, entre Buda, Gandhi e todos os iniciados da história, ninguém foi maior do que Jesus Cristo, que encarnou uma vivência permanente com alguém superior, a quem chamava de Abba, Pai. Seus milagres o colocam como verdadeiro filho de Deus, constituindo uma santíssima trindade, segundo a tradição revelada.

Não obstante, a crença cristã não é natural, pois demanda a obtenção de uma graça, como o próprio Jesus deixou revelado nos evangelhos. Dessa forma, por essa graça, a realidade obtém um sentido, que a humanidade aprendeu a cultuar, desde o início da revelação. Estamos, pois, integrados num projeto divino, não material, dependendo apenas de nossa aceitação consciente e das graças que nos forem concedidas.

Este mundo transcendente se abre para nós através da capacidade de nosso espírito em conceber um mundo de valores que surgem em nós, mas que estão presentes na realidade como desafios propostos ao alcance de nossas virtudes. Na virtualidade de sua dimensão transcendental, tais valores são concebidos como a vida, o bem, a perfeição, a verdade, a unidade, o amor, a paz, a liberdade, a beleza, que não foram criados pelo homem, mas repousam em sua natureza transcendental.

Não obstante, há a ameaça permanente de valores negativos, que parecem ter origem numa contaminação demoníaca e que se apresentam como uma antecipação do inferno, pelo suplício que nos causam. Tais são os homicídios, a pobreza, a ignorância, a tristeza, a infidelidade, a traição, a desonestidade, a inveja, o roubo e tantas outras maldades.

Contudo, o espírito vê a realidade contingente como fruto de um princípio necessário, e o bem é consequência intrínseca desse fato, sendo o mal apenas uma ausência prescindida, como defluência de carências naturais. Em acréscimo, verifica-se que nós, seres humanos, produzimos muitos males em consequência do exercício de nossa liberdade, cabendo a nós tudo fazer para não cometê-los. Dessa forma, dada nossa fragilidade, deveremos sempre manifestar humildade, permitindo assim que as graças que nos forem concedidas venham nos salvar. 

  • Autor: Acadêmico Antonio Celso Mendes
  • Foto: Ärquivo APL
  • Imagem: Gerd Altmann por Pixabay