Eddy Franciosi foi nom de plume de Antonio Franciosi (60 anos), que morreu em setembro de 1990, no interior de um apartamento no centro de Curitiba, com o crânio esmagado por um garoto de programa. O episódio talvez não tenha provocado maior surpresa porque, embora Curitiba revelasse, a esse tempo, uma decantada imagem de progresso urbano e qualidade de vida, surpreendia, entretanto, pela contradição sociológica de registrar, pelo avesso, a presença alarmante de tantos homófogos e de um alto índice de assassinatos de homossexuais, consumados, em geral, com extrema violência. Assim, os dados de 1975 a 2002, registravam a morte de 92 deles, mas levavam à previsão de mais ainda, porque as estatísticas não registravam os hábitos sexuais das vítimas.

Eddy era gaúcho de Guaporé, com parentes em Guarapuava, para onde se transferiu inicialmente, mas veio viver toda a sua carreira em Curitiba. Foi jornalista a tempo integral, como parte de uma brilhante geração de outros iguais a ele e com presença na vida cultural do Estado. Foi dramaturgo, que escreveu cinco peças (“O Julgamento de Joana” e “Drácula”, ao que sei…), dirigindo dezenas de peças. Foi assessor da Fiep e diretor do Teatro de Adultos do Sesi. Pessoalmente tinha porte italiano, sarado e tinha o ar de formação superior humanista. Vestia-se com talhe de alfaiate. No mais, se mantinha discreto, como então convinha à sua condição reprimida, embora certa feita tivesse se vestido até de mendigo e saísse à rua, a pedir esmola na frente da catedral e no centro da cidade, para fazer uma reportagem sobre os mendigos de rua.

Morto em 1990, deixou o livro, “Uma Crônica – Curitiba e sua História”, de quase 600 páginas, fruto de cinco anos de pesquisas históricas e interpretação sociológica da cidade, que incluiu até testemunhos orais. Datado de 1988, escrito, datilografado e encadernado em dois volumes, foi, porém, mantido inédito por mais de 20 anos, até que fosse confiado à Editora Esplendor, que o editou em 2009. É claro que o livro traz a lacuna de seus últimos decênios, talvez como um dos mais ricos e expressivos do perfil de nossa cidade.

São ao todo quatro quadros, compondo um amplo painel cronológico da história da cidade, desdobrado em nove partes com cem subtítulos. Ao invés do modelo oficial, sua memória não obedece, porém, a linha tradicional de periodização das narrativas históricas.

Constituem crônicas que, por escolha do autor, reproduzem cenas e personagens da vida urbana da cidade. Assim, você tem a presença d’Escragnolle Taunay, o presidente que fez do charco do Rio Belém o Passeio Público de hoje, e expulsou os animais que costumavam pastar no potreiro imundo do largo da matiz. Canalizou o rio Ivo e iniciou a abertura da rua da Imperatriz (depois das Flores e Quinze). Embelezou a cidade. Joseph Hauer veio da colônia Dona Francisca, de Santa Catarina, e se instalou como seleiro na rua do Assungui, onde fez fortuna.

Foi dono de uma das mais belas mansões da cidade (hoje Colégio Divina Providência), onde promovia reuniões culturais e saraus musicais.

Foi ele que construiu a primeira usina de força elétrica, movida a lenha, que passou a substituir os lampiões a gás de rua por lâmpadas elétricas.

O Teatro Hauer foi construído com seus recursos e era provido de palco giratório e plateia móvel, e, com a demolição do São Teodoro (1891), passou a ser a única casa de espetáculos da cidade.

Com Franciosi, você se lembra quando, em 1880, D. Pedro II e a Imperatriz Thereza Christina se sentam à mesa da casa do polonês Francisco Wos, na colônia Santa Cândida, para dividirem uma broa de centeio e um cálice de Parati. O gesto é repetido cem anos depois, em 1980, com a oferta de pão e sal ao Papa João Paulo II, em cerimônia da colônia polonesa do Paraná. Há também páginas que parecem ensaios, como os da participação do negro na composição tríptica do homem paranaense e seu temperamento.

Enfim, é uma Curitiba rica de imagens e de memórias. Arrisco-me a dizer, entretanto, que se o autor dispusesse de mais tempo, teria dado, talvez, tratamento mais enxuto ao texto, contendo alguns dos seus arroubos literários e umas tantas repetições, como corrigiria seu Ractliff para Ratcliff, que, apesar da divergência, pois é a grafia que consta do decreto imperial e do acórdão que o condenou à forca. Do mesmo modo, dataria a Confederação do Equador próxima da Independência e não da República, como fez.

Enfim, disse o historiador Peter Gay, da Universidade de Yale, que a maioria dos que hoje fazem a história, não tem sequer um vago domínio da arte de escrever e assim a história vem perdendo seu domínio. Eis então, portanto, o que torna “Uma Crônica – Curitiba sua História” um leitura agradável e proveitosa, capaz, sobretudo, de dar à ciência da história um gosto bem popular.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor