Em maio de 1988, durante as comemorações do primeiro centenário da Lei Áurea, da abolição da escravatura no Brasil, a Câmara Municipal de Curitiba prestou homenagem especial à participação da população afrodescendente na vida e desenvolvimento da cidade, mediante a ereção de um pedestal, com placa de bronze, na Praça Santos Andrade, defronte o prédio da Universidade Federal, contendo a relação de 68 nomes de homens e mulheres de ascendência africana, os mais representativos de diferentes formas de expressão da vida comunitária, desde as mais humildes até as mais importantes da vida econômica e cultura da cidade.

A homenagem e a cerimônia resultaram, na verdade, de um trabalho conjunto da então vereadora Marlene Zannine e do cônsul-geral honorário do Senegal, em Curitiba, Ozeil Moura dos Santos, que, em 26 de maio daquele mesmo ano e sob a presidência do vereador Horácio Rodrigues Sobrinho descerraram a placa comemorativa da etnia negra, seguida de outras homenagens no Palácio de Cristal, do Círculo Militar.

Com o tempo, porém, a homenagem de uma simples placa passou a ser vista como uma manifestação tímida e pouco reconhecida da contribuição efetiva da população negra, em comparação com a que se prestou com o Memorial da Imigração Polonesa, ou o Ucraniano, e mesmo o Bosque Alemão, pois a dos negros passava despercebida do povo, das agências de turismo e do próprio governo.

Foi então que, agora em junho de 2015, quando Ana Crhistina Vanali, advogada e vereadora, acompanhava um percurso turístico pelos principais pontos históricos da presença negra na cidade, diante do memorial comemorativo lhe ocorreu a ideia de promover o levantamento biográfico dos 68 personagens da placa, homens e mulheres, muitos deles desconhecidos, outros tantos esquecidos ou de quem já não se tinha notícia do destino. Foram advogados, médicos, desembargadores, engenheiros, professoras, escritores e escritoras, atores e atrizes, artistas, militares, enfim todos os que por seus méritos ou atividade pessoal contribuíram de alguma forma para o interesse comum da cidade e o seu desenvolvimento.

Mas, foi só a partir de 2017 que Ana Crhistina pôde se dispor a promover o resgate da vida e contribuição de cada um dos nominados da placa, empenhando-se então num trabalho amplo de pesquisa, para a qual convidou e recebeu a colaboração, a mais e a menos,  de 15 colegas e amigos, para a resenha biográfica de 68 personagens históricos da cidade, 30 deles já falecidos e de outros 8 não se tinha qualquer notícia,  contando com contribuição dela própria em 38 resenhas, dela e em parceria, além da participação de 15 outros colaboradores, todos professores e pós-graduandos, com destaque, para os professores Celso Fernando Claro de Oliveira, doutor em História e  Andrea Maria Voss Kominek, doutora e mestre em sociologia, que assumem a autoria e edição do livro.

Com o título de “Os Nomes da Placa: A História e as Histórias do Monumento à Colônia Afro-Brasileira de Curitiba”, de Ana Crhistina Vannali, Andrea Maila Voss Kominek e Celso Fernando Claro de Oliveira, com 552 páginas, o livro foi editado e distribuído pela Fecomércio Sesc Senac PR, contendo ilustrações coloridas, com amplas resenhas, informações e bibliografias dos homenageados.

A primeira personalidade posta em destaque é a de João Pânphilo Veloso de D’Assunção, o “Nego Pânphilo”, advogado de grande prestígio e admiração, que não se ateve apenas à atividade forense, mas foi autor, com destaque, de obras jurídicas de doutrina e jurisprudência. Atuava na imprensa diária e em revistas nacionais, como também na gestão de cargos importantes da sociedade, como na Associação Comercial do Paraná, da qual foi presidente por seis anos, além de figurar como fundador de nossas maiores entidades culturais, como o Centro de Letras do Paraná, a Academia de Letras e a Academia Paranaense de Letras. Homem de presença e gosto social, foi presidente também da Sociedade Thalia de 1927 a 1929.

Haroldo Pânphilo dos Santos foi outro dos proeminentes afrodescendentes de maior destaque da nossa cidade. Nascido em Salvador-BA, veio muito jovem para o Paraná, onde se formou em farmácia e medicina e acabou professor catedrático da Universidade. Foi vereador e homem público, de destaque na ciência e na política paranaense. Em 1948 foi prefeito interino de Curitiba, na licença do seu titular. Na sua aposentadoria, entre outras homenagens, recebeu a de professor emérito da Universidade.

No curso das imagens e resenhas a obra oferece a participação da família baiana Pinto Rebouças, representada por dois dos irmãos apenas:  Antônio, mais velho, e José, mais moço. Certamente, assim se comete grave injustiça. Primeiro, porque não são dois, mas três e incluem André, talvez o de maior participação na vida paranaense. Antônio foi engenheiro-chefe da Graciosa, participou do plano da ligação ferroviária Antonina-Curitiba e do projeto do Mato Grosso, mas em 1870 se transferiu para o Rio de Janeiro, e, mesmo depois, voltando em 1873, foi para a Companhia Paulista, na construção da estrada de ferro de Campinas a Limeira, e aí morreu de varíola, com só 35 anos de vida. André, por sua vez, além da construção da ferrovia Paranaguá-Curitiba, obra de reputação mundial, foi também um dos líderes da campanha nacional abolicionista, homem de grandes dotes de inteligência e dons criativos, teve seu nome e suas obras consagradas em toda parte do país. José Pinto Rebouças, foi o irmão mais novo. Consta que o irmão Antônio foi seu tutor e orientador. Ocorre que José era 13 anos mais novo e ao concluir seu curso de engenheiro (1874), Antônio já havia morrido. Não vejo razão, pois, para incluí-lo na homenagem da Câmara, nem “Nos Nomes da Placa”, omitindo-se injustamente a presença de André Rebouças.

Tantos outros, porém, merecem igual destaque e o nosso reconhecimento, pelo que deixaram de suas presenças e contribuíram para o sucesso e a prosperidade de nossa cidade. Tenho lembranças de alguns deles, como a dos irmãos do “Esquadrão da Morte”, com o Bananeiro, Ferreira e Janguinho, a melhor linha média do nosso futebol e minha alegria de torcedor adolescente daqueles idos. E tem também minha admiração a Eredina, que conheci como a primeira engenheira civil negra do Estado. E tem ainda Odelair, atriz e cantora de nossas lembranças de rádio e televisão. Enfim, são muitos os homenageados e é pequeno o espaço que me resta para louvar a bela e justa iniciativa da placa da Câmara e do livro.

A escravidão não foi uma nódoa histórica só nossa. Ela sucedeu em outros tantos países e cidades que, ao fim, se converteram nas mais prósperas civilizações, assegurando a plenitude do direito de todos, e nos legando tanto a consciência da nossa identidade de origem comum, quanto a liberdade de poder cumprir o nosso próprio destino.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor