Curitiba foi consagrada com o predicamento de vila, em 29 de março de 1693, por empenho dos seus habitantes e Mateus Leme, um dos seus patriarcas, com a composição da Câmara e a eleição das autoridades. Sua população era constituída de, pelo menos, 17 varões masculinos, então credenciados a assinar o auto da solenidade, a que se devem acrescentar familiares, agregados ou outras eventuais pessoas.

Era um simples arraial de mineradores de ouro e plantadores de lavoura de subsistência.

E assim se manteve pelos séculos adiante, em 1720 visto pelo ouvidor-geral Pires Sardinha, e por Saint Hilaire em 1820 (sede de comarca), como a mais simples delas e as mesmas 220 casas e pouco mais de 1.400 habitantes.

Igual figura a cidade conserva com a criação da Província, reproduzida pela aquarela do americano John Henry Elliott.

Depois disso vieram as correntes imigratórias com a riqueza do mate e seus barões. Os poloneses trouxeram as casas de troncos, pipas de azedar repolho e fé na Virgem Negra de Czestochowa. Os italianos compraram Santa Felicidade de Feliciano Borges. Os ucranianos se estabeleceram no campo da Galícia com suas pêssankas e cúpulas de igreja com forma de bulbos de cebola.

E então Curitiba cresceu e se urbanizou, desde as primeiras décadas do século XX. Tinha 80 mil habitantes em 1920 e seguiu crescendo, ganhando espaço e gente. Já éramos 140 mil em 1940 e  650 mil em 1970. Um milhão em 1980 e um milhão e meio em 2000. Atualmente as estatísticas registram quase dois milhões para a cidade e três milhões para a área metropolitana.

Somos hoje uma grande capital, de nível internacional, de superior organização social e qualidade de vida. Todavia, só temos presença no mapa do Brasil a pouco mais de cem anos, em comparação com outras cidades consagradas pelo tempo de muitos séculos. Penso, porém, que apesar de nossa relativa pouca idade merecemos o título de “Cidade Memória”. Igual ao de “Cidade Histórica”, que nos restitua as lembranças que o tempo apagou mas a memória pode nos restituir.

O tema surge a pretexto da presença no mercado de umas tantas obras tentando recompor imagens e presenças do passado da cidade. Cada uma delas com seus quadros e lembranças pessoais. Aí está, então, a jovem estudante América da Costa Sabóia com seu pequeno livro de uma Curitiba saudosa, ainda dos primeiros anos da República. Pequenina e feia, imergindo do brejo, lavada da chuva constante. As pontes sobre o Ivo e o Belém eram tábuas estendidas de um lado a outro, que as enchentes costumavam carregar. Seu eixo central era a Praça Osório, a Luiz Xavier e a XV de Novembro, que davam vida à cidade e onde ela reviveu o Restaurante Ricciardella, misto de hotel, que à noite se transformava em Café Concerto, e tinha Bento Mossorunga como pianista e futuro maestro. No ângulo da avenida Luiz Xavier com a Voluntários da Pátria havia um coreto onde por vários anos a banda do Regimento de Segurança executava músicas de todos os gêneros, sob regência do maestro Suriani.

Aqui a jovem América completou sua formação de professora na antiga Escola Normal conjugada com o Ginásio Paranaense, na Rua Ébano Pereira, defronte à praça Santos Dumont. O belo Instituto de Educação só veio depois, em 1922, no governo Caetano Munhoz.

Seu livro tem o largo do Ventura, onde a cidade terminava. Um grande espaço aberto ao desfruto da redondeza. Levava a um bosque e às margens do Belém. Os destaques eram o palacete de Nicolau Mader e dos Ventura Torres, de cujo prenome passou à denominação do Largo.

“Ruas e História de Curitiba”, de Valério Hoerner Júnior monta o quadro urbano da cidade. Não há, porém, ninguém à mostra. Só ruas, praças e lojas. A maquete nua de uma pequena cidade de 100 mil habitantes. As ruas e praças têm nomes diferentes dos de hoje. A Marechal Deodoro era rua residencial, de construções baixas e sem calçamento. A rua da Graciosa ficava no Largo da Matriz onde era o início da estrada do litoral. No primeiro trecho era Barão do Serro Azul e no segundo Cândido de Abreu. A praça Tereza Christina era um terreno baldio que, com a morte do presidente Santos Andrade, ganhou seu nome que conserva até hoje. É um dos centros da vida cultural do Estado: de um lado a Universidade Federal e do outro o Teatro Guaíra. Havia tantos outros nomes hoje esquecidos: Lavapé, Assunguy, travessa da Ordem, do Serrito que ganhou depois o nome de Conselheiro Barradas, com a morte de nosso advogado do Contestado.

Hoerner foi um grande amoroso de Curitiba. Jornalista e professor universitário. Titular da cadeira 40 da Academia, deixou 37 livros sobre Curitiba e a história do Paraná.

Por seu turno, Luis Fernando Pereira e sua “Curitiba na virada do século”… produto de uma nova geração de professores e pesquisadores do ensino universitário, à procura de um novo perfil histórico, humano e urbano da cidade, provocado pelo boom da erva mate e do modelo europeizante produzido pelas fortes correntes de imigração. A velha arquitetura urbana passa a formas ecléticas e expressões individuais. As residências se abrem às comemorações sociais.

Assim a cidade construiu sua memória, não de uma “Cidade Eterna”, como Roma, nem “Cidade Luz”, de Paris, mas de uma modesta “Cidade Sorriso”, sem maiores glórias de guerra ou paz. O pequeno arraial saído do fundo de um tempo remoto cresceu vendendo ao emigrante europeu a imagem nativa do Paiquerê dos caingangues, que o lirismo de Romário Martins se serviu para construir um paraíso terreal, herança do patrimônio cultural e fusão da eugenia de todas as raças que o adotaram.

E não é só isso: é a terceira cidade mais sagaz do mundo, diz a revista Forbes. No Brasil, entre as 700 cidades brasileiras, ocupa o 1.° lugar em desenvolvimento, o 2.º em empreendimentos e urbanismo e o 3.º em tecnologia e inovação.

E isso tudo não é bastante para guardar de memória?…

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo