Ao que consta, o mundo tem hoje mais de 7 mil idiomas, e o inglês é a língua preponderante, falada por mais de um bilhão de pessoas, das quais 220 milhões no vernáculo e outros quase 800 milhões como seu segundo idioma.

O português vem na sétima posição, sem contar suas outras 187 línguas indígenas.

Além disso, inglês se tornou a língua universal, semelhante ao latim e ao grego da antiguidade, até mais que isso, porque, além da quantidade de seus usuários e da extensão universal do seu alcance, ele predomina em todas as áreas de atividade, sobretudo na de comunicação, pois 60% das transmissões de rádio do mundo são feitas em inglês; 70% de toda correspondência escrita é na língua inglesa, como também o inglês é usado em 85% de todas as ligações telefônicas, e, com alcance de 80%, são também os dados ofertados por 100 milhões de computadores.

Vale recordar, a propósito, que, embora já tenhamos vivido uma fase anterior de semelhante influência cultural da França sobre nós, por suas letras, modismo, seu bom gosto e seu modelo cosmopolita de vida. Paris era então a passarela do mundo, a língua e literatura francesa eram nosso meridiano cultural. Muitos dos nossos intelectuais faziam versos em francês, como Alphonsus de Guimarães, Martins Fontes, Eduardo Guimarães. Freitas Vale assinava seus poemas na língua de Molière, sob pseudônimo de Jacques D’Avray e o nosso próprio João Itiberê da Cunha, de Cerro Azul, irmão de Brasílio Itiberê da Cunha, que introduziu a poesia simbolista europeia no Brasil e foi autor de um único livro, “Preludes”, de versos em francês, língua que o levou até a mudar seu nome para Jean Itiberê da Cunha. Nesse tempo era costume viajar para Paris com frequência, com o câmbio favorável e as facilidades concedidas pelas companhias de navegação e a imprensa aos escritores, como fazia Olavo Bilac todo ano.

Ora, hoje se sabe que um dos fenômenos mais notáveis do nosso século foi a expansão da língua inglesa, que agora é falada até na lua. Ora, língua é poder e, como a corrente sanguínea, é através dela que flui e se nutrem os valores culturais, as tradições, a alma e o corpo de um povo. Constitui um patrimônio cultural vivo, cuja unidade o Brasil se orgulha de ter preservado até aqui, apesar da extensão continental do seu território e de já ter passado mais de meio milênio de sua história.

E assim é que, não faz muito tempo, o deputado Aldo Rebelo apresentou no Congresso Nacional o projeto de lei (aprovado) contendo multa severa, que obriga o uso da língua nacional em todos os meios de comunicação, produção e publicidade do país, salvo o uso concorrente da língua estrangeira ou acompanhada de sua tradução no idioma nacional.

A iniciativa foi justificada pela necessidade de conter o uso intenso e até indiscriminado da língua inglesa, em todas as esferas de atividade ou nacionalidade, transpondo fronteiras e infestando o uso comum dos idiomas locais, como ocorre com o uso abusivo de holding, recall, franchise, coffee-break etc., ou infiltrando estrangeirismos ou aportuguesamentos desnecessários nos hábitos de nossa língua e na produção de falsas excrescências semânticas como as de “startar”, “printar”,”bidar”, “atachar”.

Aldo Rebelo assim seguiu a iniciativa de outros tantos governos comprometidos com a preservação do seu idioma e convencidos também de promoverem assim a defesa da própria nacionalidade, como ocorreu com a Islândia, onde se fala inglês como segunda língua e toda palavra nova, de origem estrangeira, só pode ser traduzida se conservar o som do idioma nacional. Na França é igual, com uma severa legislação restritiva do uso do inglês. Também na Rússia, os letreiros em inglês devem ser acompanhados da tradução em russo, com letreiro maior e proeminente.

Na origem, isso faz parte de um forte sentimento nacionalista, uma reação natural diante do predomínio de uma língua que ignora fronteiras e se impõe à humanidade como nunca se viu antes. E com a globalização e a Internet essa influência ainda vai aumentar mais, num ponto em que, como dizia o linguista Steven Fischer: “Aprenda inglês e prospere, ou ignore-o e padeça”.

Afinal, toda essa defesa da língua, em nome de uma identidade nacional ou cultural, tem naturalmente um contraponto: as línguas são corpos vivos que se comunicam. São esponjas que sobrevivem porque estão em mudança contínua. Não se pode impedir, entretanto, que se enriqueçam, senão elas morrem, mas podemos favorecer que se abasteçam e se atualizem, conservando os traços que identifiquem seu genoma familiar. E isso enquanto não se confirmam as previsões dos próximos séculos, em que a maioria dos mais de 7 mil idiomas existentes na terra irão se fundir ou então desparecer… e se diz mesmo que poucos se salvarão. Mas até lá, para que tudo isso aconteça, vai ter ainda muita coisa para acontecer.

Ora, tudo nos leva a ver a importância que então assumem, particularmente, as academias de letras e de cultura, iguais a nossa, na parcela que detém da defesa da língua da nação e da exaltação dos valores culturais que nossa história encerra. Elas não são apenas postos de vigilância da autenticidade da língua e de seus modelos de beleza e criação.

Já vivemos o tempo do “perigo alemão” o das colônias isoladas de imigrantes que mantinham sua identidade de origem e o uso habitual de sua língua, denunciados por Sílvio Romero, ou então a do “perigo amarelo”, de Monteiro Lobato, que o Estado Novo nacionalizou à outrance, impondo o primado da língua nacional e o seu ensino regular e prioritário nas escolas de ensino fundamental.

Será que não vivemos hoje um risco até maior, o anglo-americano, mais amplo e mais difuso, que vai nos obrigar a pregar nas ruas e ostentar os estandartes: Fale português e preserve a identidade de nosso país!

São capítulos da nossa história dignos de reviver, porque ajudam a construir a história da nossa própria nacionalidade.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto do autor: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor