O júri, ora o júri, quanta emoção se vive nele. No meu tempo de rapazola era a atração maior da cidade. Despertava tanto interesse popular, que em certas ocasiões, só se conseguia lugar na assistência mediante convite do fórum. Suas figuras principais eram o juiz, o promotor e o advogado, todos de preto, à frente da mesa da presidência. Tinham ar solene e eram acompanhados da nossa curiosidade e um certo encantamento. No meu tempo de vida acadêmica eu assistia e vivia todas as emoções dos julgamentos como se participasse deles.

Alfredo Tranjan foi figura legendária do foro criminal do Rio de Janeiro, sobretudo do Tribunal do Júri. Foi cassado pela Revolução de 64, mas se tornou destaque da vida judiciária do estado e hoje é nome do Complexo Estadual Penitenciário de Gericinó – Bangu 2. Sua “A Beca Surrada”, é livro de fim de vida e memória de meio século como advogado criminal. Mas é também livro de exaltação da missão do advogado, com a homenagem às figuras de dois juristas, Romeiro Neto e Evandro Lins, na ocasião em que deixavam a tribuna do júri, para assumirem, respectivamente, a Procuradoria-Geral de Justiça e a Consultoria-Geral da República do nosso país.

Da história da advocacia Tranjan começa com os escárnios que a profissão recebia desde Teofrasto, Aristófanes ou Cujácio, como “homens rapacíssimos” ou “sequazes de Têmis”, e até do desejo secreto de Napoleão de “couper la langue de tous“. Mas, diz Tranjan, foram esses homens de todos os tempos e da qualidade dos homenageados, que deram à arte da palavra a imagem de beleza, dignidade, força e coragem que aprendemos a admirar nelas. Mais que isso ainda, ninguém resumiu melhor sua imagem de confiança e intrepidez que a de Viviane, em 1909, diante dos advogados de Nova York, ao exaltar a grandeza de sua missão histórica de enfrentar tantas vezes a ignorância das multidões, as paixões do povo e a tirania dos poderosos.

Era, porém, o encanto da palavra que me seduzia neles. Disse uma vez Rui Barbosa que foi a palavra que fez o mundo (Fiat) e com o Surrexit ele se tornou cristão. E ela é apenas um pequeno grão, miúdo, aparentemente frágil, mas poderosamente capaz de incendiar o mundo e santificar a humanidade. E, nos meus anos de encanto, essa magia ainda me parecia maior porque era irradiada da tribuna, em solenidade pública do júri, ao som da voz humana e de suas ressonâncias emocionais, ao pé da imagem de Cristo crucificado.

Enfim, aponta Evandro Lins que, infelizmente, já ninguém mais se lembra dos discursos dos nossos grandes advogados, dos que antecederam Evaristo de Morais e outros tantos à semelhança dele, senão um exemplar de 1898, que ainda sobrevive, “Causas Celebres Brasileiras”, de Alberto de Carvalho, que serve de fonte de pesquisa da história do foro daqueles tempos.

Tranjan então compõe uma pequena galeria de outros tantos Deuses do Olimpo, que ainda sobrevivem ou deixaram vivos seus raios de luz e beleza, com que ornamentaram ou ajudam a cumprir sua parte na obra da justiça.

Evaristo de Moraes vai à frente de todos, porque é modelo de povo e símbolo maior da formação do advogado criminal. Teve em suas mãos as maiores causas da República. Foi o defensor de Dilermando de Assis, o jovem aspirante a oficial, amante de Ana de Assis, mulher de Euclides da Cunha, morto por Dilermando em trágico episódio de desforra de marido traído. A tragédia abalou a República e obrigou Evaristo a enfrentar uma difícil resistência da opinião pública e da imprensa da época, infensas à perda de Euclides.

O universo da justiça criminal também se iluminou com outras tantas eminências estelares, como Romeiro Neto, vivendo seu maior momento do Júri, afrontando a ira de uma multidão açulada pelo Clube da Lanterna e pelo jornalista Amaral Neto, no julgamento de Gregório Fortunato, o mandante no atentado a Carlos Lacerda. O réu acabou condenado, mas a palavra e a energia com que o pequeno Romeiro se impôs ao rugido da multidão incitada para acabar convertendo o julgamento num belo espetáculo de ordem e serena justiça. Como então se disse: foi essa mais uma das magias do verbo.

Paulo José da Costa Jr. e suas “Crônicas de um Criminalista”, foi expoente dos penalistas paulistas.  Criminalista emérito, foi titular da Universidade de São Paulo e Livre-Docente da de Roma. Deixou mais de trinta obras escritas. Seu livro é digno de figurar entre os noviços que se proponham a atuar na área da advocacia criminal. Trouxe a experiência de mais de meio século de presença na tribuna do júri.

Enfim, cumpre incluir também um outro dos ícones da vida da justiça e suas transas políticas nessa quadra da vida. O brilhante Evandro Lins e Silva com sua atuação intensa e gratuita junto ao então Tribunal de Segurança Nacional, órgão de propósitos políticos. Atuou em casos de ressonância nacional, como redator do impeachment de Fernando Collor, promoveu a defesa de Doca Street pela morte da socialite Ângela Diniz e do crime de José Rainha Júnior. Ao fim da vida foi castigado injustamente e guardou doloroso ressentimento.

Porém, se quiséssemos seguir o rol de todos seria em grande número e incluiria Roberto Lira, Otávio Pimentel do Monte, Mário Gameiro, Jorge Severiano Ribeiro, Natércia da Silveira e inúmeros outros que muitos nem lembram.

Resta-nos apenas repetir um reparo final: é muito pobre a nossa bibliografia sobre a advocacia e a memória dos nossos melhores advogados. Embora tenham deixado uma lembrança fulgurante e um legado rico e glorioso do papel mágico da palavra na realização da justiça, foram vozes fortes e milagrosas que o tempo apagou das paredes sem eco das salas dos passos perdidos. Verba volant, scripta manent.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo