Peter Burke é historiador inglês, doutorado em Oxford e professor de História das Idéias na School of European Studies, da Universidade de Essex há 16 anos, e, por igual tempo da Universidade de Sussex, além de sua presença em Princeton, nos Estados Unidos.

Atualmente é professor emérito da Universidade de Cambridge, onde vive e é casado com a historiadora brasileira Maria Lúcia Garcia Pillares-Burke, com quem produziu em parceria “Gilberto Freyre, um Vitoriano dos Trópicos”.

Aliás, Burke é hoje conhecido como uma das maiores autoridades sobre o autor de “Casa Grande e Senzala”. De setembro de 1974 a 75 foi professor visitante na Universidade de São Paulo e seu Instituto de Estudos Históricos, ocasião em que desenvolveu um programa de pesquisas intitulado “Duas Crises da Consciência Histórica”. Ainda, por alguns anos foi colunista do jornal Folha de São Paulo, e sua contribuição é compilada no livro “O Historiador como Colunista”.

Burke é um cientista social e cultural com profunda ligação com o Brasil e sua história político cultural.

Porém, para nossa surpresa, vimos recentemente que nos dias 8 a 10 de maio último, aconteceu em Ponta Grossa o IV Encontro Paranaense de Bibliotecário, com o propósito de promover o resgate das atividades da biblioteconomia estadual e reunir professores e interessados sobre os temas e desafios de sua área.

O evento reuniu mais de 200 participantes de diversas partes do país e teve como atração principal a presença do historiador Peter Burke, ocasião em que proferiu uma conferência sobre “The Idea of the Library the Last 500 Years”.

A surpresa, porém, foi que esse encontro passou despercebido da elite e instituições culturais do Estado, pois revejo que nem foi objeto de destaque ou simples divulgação na mídia local impressa ou televisionada, inclusive dos jornais, como o “Diário dos Campos” e o “Jornal da Manhã” de Ponta Grossa ou, mais, da própria Rede Massa de Televisão da cidade.

Ora, Burke é uma das figuras de maior destaque da história moderna e, com relação a nós, ganha maior expressão por sua identificação sociocultural conosco, através de um vínculo pessoal e sua valiosa contribuição para as nossas letras e pesquisas histórico-culturais.

Essa omissão revela, portanto, o quanto estamos distantes de nós mesmos, uns dos outros, e o quanto é tênue nosso tecido social . Em geral se diz que somos um povo taciturno e avesso a arrebatamentos ou a gestos mais efusivos de expansão ou prazer. Isso explica, também, posição menor que o Paraná tem ocupado na história da vida política e cultural do nosso país.

A propósito, ainda há pouco tempo, Burke publicou “A Arte da Conversação”, uma contribuição para o estudo histórico-social da linguagem e da arte da conversação, a serviço do culto da convivência humana, no espaço histórico da civilização ocidental.

Ora, hoje se diz que somos criaturas linguísticas e que nunca se falou tanto como hoje se faz, através das redes sociais, celulares, smartphonesskypes, satélites, interfones, telefones e até pessoalmente. Mas, há os que contradizem essa versão, sustentando que, pelo contrário, nunca se falou tão pouco como agora. Hoje o diálogo é prática virtual, distante e impessoal. As pessoas não se veem uns aos outros. Não se olham nos olhos, mas se escondem, isolados atrás de máquinas e aparelhos. O diálogo quando se estabelece não tem interlocutor válido, se reduz a um ato solitário e monocórdio.

Já foi o tempo em que as pessoas se visitavam em família, nos fins de tarde ou primícias da noite,  no interior das casas ou em cadeiras na calçada, para um dedo de prosa, em papo franco, de troca, vivo e alegre, reunido à roda de cuias de chimarrão ou goles de quentão, se o tempo fosse de frio.

Diz Burke que Sócrates foi um dos primeiros mestres da arte de falar e Plutarco deixou um tratado sobre a loquacidade, mas os escritos sobre a arte da conversação surgiram mesmo na França do século XVII e XVIII.

Burke desdobra esse quadro para alcançar o século XIX, passando pelas causeries das fêtes galantes da elite francesa, nas casas de campo dos arredores de Paris e depois no espaço dos salões da aristocracia francesa, como da marquesa de Rambouillet ou madame Lafayette. Também os ingleses cultivavam o chat elegante nos salões dos clubes ou cafés  de Londres e Edinburgo. Eram os famosos encontros elegantes que não constituíam apenas um entretenimento de salão, senão um verdadeiro exercício de espírito e sociabilidade.

Enfim,  ”A Arte da Conversação” ocupa cinco densos capítulos do livro. Não podemos contê-los nem revelá-los nesse pequeno espaço. Ensaiamos apenas identificar o papel social e político da linguagem como instrumento possante e fecundo de aproximação e convívio humano. Dizem que diante da soada que agora surde e nos assola, o mundo se ressente da falta de diálogo, porque a palavra tantas vezes nos é sonegada, quanto tem servido também para esconder a verdade ou confundir nosso pensamento.

Por fim, embora nos privem da presença de Peter Burke, sua mensagem prevalece, entretanto, no sentido de ampliar o universo do diálogo, para que humanidade enriqueça seu tecido social e o homem se aproxime do seu semelhante e aproveite mais dos benefícios do compartilhamento humano.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Imagem: Acadêmico Rui Cavallin Pinto