Realmente já fui integralista. Vestia a camisa verde, gravata e calça preta, trazia no braço uma faixa branca com o símbolo da letra grega zeta. Era o trajo do partido. A minha saudação era de braço direito estirado, saudando todos com um sonoro Anauê, pelo bem do Brasil.

Foi minha mãe que fez a camisa. Mas, da parte do meu pai, penso que ele nem era um filiado, tampouco versado na doutrina integralista, mas mostrava simpatia pelo discurso político de Plínio Salgado, e reunia seus adeptos no próprio salão de sua pequena casa de comércio para uma prosa política de fim de tarde, a propósito das intrigas do dia. Mas eram poucos deles, mas não uma gente qualquer, senão quem possuía alguma formação política e ideias que estavam fora do meu alcance. Guardo só alguns fiapos dessas lembranças, feitas mais de imagens remotas e umas poucas referências que me lembram até advogados e juízes.

Eu tinha então uns 8 anos e meu pai me vestiu de integralista para uma recepção a Plínio Salgado numa de suas pregações em Curitiba. Descera de avião no campo do Bacacheri, que era o quanto havia de aeroporto na cidade e passou a se reunir com seu grupo numa casa ampla das proximidades. E eu fui conduzido uniformizado por meu pai, pelo meio do povo até o salão principal, e fiquei de frente da mesa de Plínio e seus segundos. Foi então que Plínio me notou e, com acenos e palavras carinhosas insistiu para que me aproximasse da mesa central. Então, posto ali, já no início da cerimônia chamou a atenção de todos para a minha presença e minha pouca idade, que então vão servir de tema para um vibrante discurso, em que fui anunciado como símbolo de novos tempos e da ascensão de uma nova geração herdeira do legado integralista, a quem estava confiada a construção de uma grande nação, igual a quantas houvesse com força e grandeza, para servir de espelho do mundo. E encerrou o discurso com aplausos gerais.

Palavras ardorosas que depois meu pai me traduziu com orgulho, a mim e aos outros.

Porém, isso foi pouco antes do decreto da criação do Estado Novo de Vargas e a extinção dos partidos políticos, incluindo a Ação Integralista de Plínio, os episódios da intentona contra o ditador no Palácio Guanabara, que levou à morte e à prisão de tantos dos seus opositores e ao exílio de Plínio em Portugal, de 1939 a 1946.

Assim, passado o episódio da minha celebração como modelo de uma nova juventude integralista, condutora do futuro destino do país, a bem de ver, na minha pouca idade, o tempo ainda não me permitia compreender o alcance da homenagem que me foi prestada porque, só depois vim saber realmente quem era Plínio Salgado como um líder nacional do primeiro e maior movimento de massa do país (e da própria  América Latina), organização política de um suposto milhão de militantes (em 1937)  distribuídos por todo o país e, mais ainda, pregava uma doutrina anunciada como a ideologia do século XXI, e, nesse sentido, mencionava  que já a seu tempo, a própria Inglaterra contava um Integralist Party.

Plínio, no seu início foi um modesto deputado estadual paulista, sem maior destaque, jornalista e escritor, embora tivesse participado do movimento modernista (Semana da Arte Moderna), com um romance, “O Estrangeiro”. Conta-se, porém, que em 1930 manteve contato com Benito Mussolini, ocasião em que revelou seu propósito de criar uma organização política capaz promover a conversão do Brasil numa “nação integral”, semelhante a sua, de modelo fascista e de pensamento autoritário, mas conservando o sentimento nacionalista e de formação católica e moral extremados, contido pelo lema: “Deus, Pátria e Família”.

Então, em outubro de 1932 Plínio fundou a Sociedade de Estudos Políticos, uma organização de caráter cívico cultural, de linha conservadora, que logo se converteu num movimento de âmbito político com a denominação de Ação Integralista Brasileira, da qual se fez líder e passou a reunir, a esse tempo, quando contava com não mais que quarenta membros. Ocorre, porém, que a entidade logo passou a incorporar outros grupos e membros de diversos movimentos, além de figuras expressivas da direita fascista e da igreja católica que rapidamente converteram o grupo inicial em milhares de seguidores.

No Paraná ela se reproduziu rapidamente de modo a tornar o Estado uma Província da Ação Integralista do Brasil (a 5.ª Província do Brasil), com sede inicial em Ponta Grossa, depois transferida para Curitiba, em mãos da liderança das figuras mais representativas do pensamento conservador do Estado, como Vieira de Alencar, Brasil Pinheiro Machado, João Alves da Rocha Loures Sobrinho e tantos mais.

Seus comícios reuniam 35 a 50 mil militantes, uniformizados, em formação paramilitar e prontos para o combate, mesmo de rua. A AIB contava também com um grande arcabouço de obras de doutrina, disseminadas por um conglomerado de jornais e periódicos, além de se servir de diversos elementos estéticos destinados a fortalecer a militância, como uniformes, estandartes, insígnias, bandeiras, peças gráficas e símbolos, além da promoção de rituais e festividades destinadas a favorecer essa integração.

Curitiba foi denominada de “Jardim Verde”. E se conta que cerca de 40 mil paranaenses usavam a camisa verde como “segunda pele”. Além disso, nas eleições municipais de 1935, Teixeira Soares elegeu o primeiro prefeito integralista do Brasil e Rebouças teve o segundo.

Plínio se manteve exilado em Portugal até 1945, quando voltou para o Brasil com a deposição de Vargas. Tentou refazer sua militância com a criação de um partido político, o PRP, Partido de Representação Popular (1945), que, no pós-guerra, já não podia reproduzir o mesmo programa de ação política, nos moldes integralistas, e continha, em geral, políticos de carreira ou simples remanescentes integralistas sem o mesmo espírito cívico partidário.

Em 1955 Plínio concorreu à presidência da República, mas só obteve 8% de votos, apoiou Juscelino e foi nomeado diretor do Instituto Nacional de Imigração e Colonização.

Morreu em 1975 e hoje Rio Claro-SP tem o acervo de toda a herança integralista de Plínio Salgado, enquanto grupos neointegralistas ainda disputam a quem se atribui a condição de herdeiro de sua doutrina ou a quem cabe, realmente, a herança de sua memória e de sua militância.

Guardo, porém, com carinho a lembrança daquela distante e pequena homenagem no Bacacheri, ao menino integralista, que representei e que me vi   convertido no arauto de um novo tempo e de um país que o integralismo procurava sacralizar e converter num Grande Império Cristão, do qual, entretanto, só resta hoje uma breve memória histórica e de suas lideranças, que em parte ensaiamos resgatar.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor