A liderança aludida é a do Ministério Público, ao qual pertenço, e onde, por igual, ocorrem as transformações da condição social da mulher nos último tempos. Só para lembrar, na antiga Roma (do nosso calendário), a mulher era tratada como pueri, sob jus potestatis do pai e do marido. O direito era um ofício masculorum. Porém, essa transformação teve etapas, com a da advogada Hortênsia, rival de Cícero, e suas coevas Amásia e Sentia, de cujo ofício cível e público acabaram porém excluídas pelo imperador Justianiano. Já bem pra cá, em 1875, o justice Edward Ryan, da Corte de Wisconsin, negou o direito de advogar a Lavínia Goodell, sob o fundamento de que, “the law of nature destines and qualifies the female sex for the bearing and nurture of the children”…

Os tempos modernos, entretanto, ofereceram à mulher a oportunidade de revelar seus dotes e disputar com o homem toda sorte de desafios, mesmo aqueles de sua aparente inaptidão. Como ocorreu já num tempo mais recente, com a carreira do Ministério Público paranaense, onde só a partir da metade do último século a presença feminina passou a ter acesso a seus quadros. Primeiro timidamente, com a presença de Maria Figueiredo, admitida por concurso, mas que se houve por pouco tempo conosco. Morreu cedo, de parto.

Porém, depois dessa iniciação vieram outras, em pouco número, mas logo ganharam força e acentuaram sua presença. Hoje o Ministério Público do Paraná congrega 772 membros ativos, dos quais 480 homens e 292 mulheres. Desses 480, 398 são promotores e os outros 82 procuradores. Quanto ao sexo feminino 266 são promotoras e 26 procuradoras. O quadro total tem então um componente proporcional de 37,1% de homens e 22,54% de mulheres. Entre os procuradores 88% são homens e 22% mulheres, mas esse é uma quadro de composição mais antiga, com remanescentes do patriarcado anterior.

Mas, o que conta afinal não é só a importância do número, mas o relevo do desempenho funcional desse expressivo contingente feminino, no fito institucional, social e político da corporação, que é o que nos leva a pôr destaque na presença e desempenho de Maria Tereza Uilli Gomes, procuradora hoje aposentada, após 30 anos de uma bela e profícua carreira nas funções do Ministério Púbico estadual e na representação da categoria e seu destino constitucional. Em princípio foi a primeira mulher a exercer a presidência da associação de classe da instituição, em quatro mandatos quase consecutivos, e, embora ao tempo, simples promotora de primeira instância, foi, no plano nacional, a primeira delas nomeada procuradora-geral de justiça, para a chefia da própria instituição, durante os anos de 2002-2004. Nesse papel, então, ganhou destaque especial não só promovendo o papel ideológico da corporação e o aperfeiçoamento do seu sistema de serviço social e jurídico, como procedendo, inclusive, a extinção do despotismo dos seus quadros internos, mediante adequação dos cargos e funções, como no remanejo e realização de concursos públicos. E, nesse particular, sua iniciativa antecipou de três anos as recomendações dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público, incluindo a antecipação de seis anos da própria Súmula Vinculante n.º 13, do STF.

E, nesse passo, embora tenha recebido a maior votação da classe na oportunidade da renovação da chefia da instituição, não foi reconduzida a um novo mandato, mas as circunstâncias propiciaram que voltasse à presidência do grêmio social, para uma nova escolha (2005-2007), conquistada e renovada (2007-2009) e ambas voltadas para a administração da entidade e a consolidação do seu patrimônio social, creditado ao resultado de suas administrações anteriores, composto da sede social (em prédio próprio) e as subsedes do litoral e do interior, aquelas representadas por dois edifícios modernos e de ampla arquitetura, para a direção da entidade, uso e gozo dos associados.

Vencido, porém, esse duplo período, em 2011 Tereza recebeu do governador Beto Richa o convite para assumir a Secretaria de Estado de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, que exerceu por quatro anos, até 2015, enfrentando uma população carcerária de 30 mil presos, superlotando presídios, delegacias e prisões comuns, além de 20 rebeliões e cinco motins, com reféns assassinados.

Além das políticas públicas de direitos humanos e a preocupação de criar colônias industriais, a nova secretaria se preocupou em prover sua desfalcada defensoria pública de melhor assistência jurídica e em dotá-la de maior número de defensores, além da criação de um sistema unificado de controle e repressão da execução penal, que reduziu expressivamente a superlotação carcerária.

Então, entregue à secretaria, Tereza se aposentou em 2016, mas em seguida foi indicada, pela Câmara dos Deputados, para assumir a vaga de conselheira do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília, para o período de 2017-2019. E, se anote o particular de que, nesse tempo ainda, chegou a ser indicada para ocupar o próprio Ministério da Justiça do governo Temer, por sugestão do deputado Aécio Neves…

Ora, o Conselho Nacional constitui o órgão central de maior destaque no controle constitucional, administrativo e financeiro dos tribunais do país, com amplo espectro de atuação sobre os poderes e funções do Estado, da própria nacionalidade, direitos humanos e tantos mais, em cuja oportunidade de sua recondução para um novo biênio  Tereza mereceu louvor da parte do presidente Dias Toffoli.

Assim, embora nem tudo se saiba, sua atuação tem nos dado, porém, uma ampla visão, sempre real e definida das dificuldades que reprimem o passo da justiça brasileira, com o desfalque dos seus quadros jurisdicionais e de servidores, e, tão grave também, a do excesso de judicialização, que reclama urgentes intervenções e uma gestão inovadora, que possibilite a criação de novos e maiores espaços horizontais, de diálogo e composição dos interesses jurídicos em confronto.

Enfim, dentro desse cenário crescente de sororidade e empoderamento feminino, já não se pode dizer que Maria Tereza representou apenas a ala de liderança feminina da instituição paranaense, porque, na verdade, assumiu o papel de toda a liderança da categoria funcional. O grêmio habitualmente foi visto como uma atividade secundária e complementar da instituição e, no caso, sua direção foi confiada à presença de uma mulher que recentemente se incorporava a seus quadros. Pois penso que foi essa delegação que animou, portanto, sua natural habilidade política, de traços discretos e feição tipicamente feminina, para a abertura de um caminho particular de carreira, com as renovações de sua presença na administração e nos empreendimentos da entidade social, para alcançar prestígio próprio que favoreceu suas postulações de maior qualidade e representatividade da instituição.

E certamente conseguiu, pois não!…

Isso tudo talvez explique melhor o título que atribuí e fiz encimar este artigo…

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo APL
  • Imagem: Pete Linforth por Pixabay