Com a morte de Oliveira Franco Sobrinho, em 2002, a Academia abriu sucessão para a cadeira n.º 13, do emérito professor e parlamentar. Sob estímulo de amigos me candidatei à vaga, trazendo algumas notas de imprensa e outros poucos trabalhos de natureza jurídica. Outros mais também se animaram do mesmo propósito.

Foi então que me inteirei da presença de Milton Luiz Pereira, ministro recentemente aposentado do Superior Tribunal Federal e homem merecedor da consagrada admiração em nosso Estado, com destaque para seu perfil de jurista e superior formação cultural e inteireza moral. A notícia de sua presença vinha, porém, acompanhada da sua concorrência à mesma vaga acadêmica. Penso até que foi Túlio Vargas, nosso então presidente, que divulgou a notícia com expressiva acolhida.

Ocorre, porém que, com a divulgação do seu nome, notei que uns e outros dos concorrentes se afastaram da disputa. Eu, entretanto, insisti em ficar. Não tinha ideia do tamanho da decisão. Era homem do interior, ocupado com as lides do foro e do magistério. Por mim, deixava ficar como estava, sem ideia das proporções do meu desafio. Para minha surpresa, porém, pouco tempo depois chegou a notícia de sua desistência e eu passei a concorrer sozinho, por voz do próprio Túlio.

– E então, lhe disse eu; e agora como vai ficar?

Ora, me respondeu:

Agora, você só tem uma coisa: ou você perde ou ganha para você mesmo…

E foi assim que ganhei sozinho!…

Mas, desde então alimentei uma suspeita pessoal, que carrego até hoje: será que tudo isso não foi invenção urdida pelo próprio Túlio. Era próprio dele, e do carinho que tinha para sua Academia…

Milton morreu dez anos depois, em 2012. Nunca concorreu à Academia de Letras, embora membro de tantas outras de igual porte, como as de Letras Jurídicas, Direito Tributário, Administrativo e História.

Recebeu diversos títulos honoríficos como os de Mérito Judiciário (Ministro Pedro Lessa) e Mérito Militar (Comendador) da Presidência da República, além de medalhas de ouro, cidadania honorária, diplomas e placas de distinção e homenagem.

E ainda deu à sua morte um desfecho amoroso: faleceu duas horas depois de sua mulher Rizoleta; ambos de câncer.

Ainda acadêmico de Direito foi classificado em primeiro lugar no Concurso Nacional de Oratória da UNE, em 1958, em Natal e, naquele mesmo ano se bacharelou em Direito pela Faculdade da UFPR, passando ao exercício da advocacia em Campo Mourão. Manteve ali uma ativa banca profissional, constando sua participação em 128 julgamentos do Tribunal do Júri, seguidas do exercício da Procuradoria Judicial do Município e culminando com sua eleição para prefeito da cidade, durante cuja administração Campo Mourão ganhou o título de “Município Modelo do Paraná”, pela qualidade de sua administração e pelo desenvolvimento social e econômico alcançado.

Ao deixar a administração do município foi contemplado, por oferta do povo, com um automóvel de presente, veículo que a família conserva até hoje como nobre galardão de sua lembrança e do reconhecimento de sua competência. E, numa homenagem derradeira, seu nome é hoje o de um dos bairros da cidade.

Com a recriação da Justiça Federal, através do Ato Institucional n.º 2, e a instalação de sua justiça de primeira instância, Milton foi nomeado, em 1967, juiz federal Substituto da 2.ª Vara da Seção Judiciária do Paraná, seguida de uma nobre carreira de juiz federal Substituto, que percorreu as 2.ª e 5.ª Varas da Seção Judicial do Rio Grande do Sul, até sua promoção a juiz federal da 1.ª Vara da Seção do Paraná, quando de 1982 e 1985 passou a compor a lista tríplice para ministro do Tribunal Federal de Recurso, que compôs desde 1988 até sua nomeação para o Supremo Tribunal Federal.

Cumpriu assim uma tranquila e brilhante carreira na justiça superior do nosso pais, revelando os dotes de uma natural vocação e alta visão para a obra da justiça. Tinha sólida formação cultural, forrada dos clássicos das letras e do melhor do pensamento jurídico. Fazia com que a ação da justiça fosse, ao fim, um ato generoso, como no episódio contado em que, surpreendido publicamente por um homem do povo, este, ao lhe dar um forte abraço, confiou, como quem agradece: Doutor Milton eu tive a honra de ter sido condenado por Vossa Excelência!…

Era ainda um homem infatigável, com os dotes da proficuidade indispensável para quem assumia o desembargo exacerbado das nossas mais altas cortes. A ministra Cármen Lúcia, do STF, contou à judice americana Sonia Sotomayor que o Tribunal recebia 48 mil processos por ano, e esse número já fora antes de 75 mil. A americana tomou o número por engano, e corrigiu: não são 75? Não, confirmou a nossa Presidente, são 75 mil mesmo. E vocês têm tempo de dormir, indagou a american judge. Ora, na comemoração dos dez anos do STJ, Milton registrou a distribuição de 508.954 processos, naquele ano, com o julgamento de 464.666 deles, além de 58.408 agravos regimentais e embargos de declaração. Em 1998 a sua 1.ª Turma confirmou a distribuição de 17 mil feitos e julgamento de 12.718 deles, em recursos e decisões monocráticas de outros 11.973 feitos, com 47 mil acórdãos publicados.

Um exaspero!….

Há, porém, uma nota distinta na personalidade de Milton Pereira, que dá um sentido particular e superior às suas outras manifestações: a dignidade e a beleza de sua palavra. Foi orador nato, já revelado nas lides acadêmicas, quando ganhou o prêmio maior em confronto público e oficial, que depois consagrou em todas as suas manifestações pessoais.

Não tinha, porém, só a superioridade do pensamento abeberado nos modelos clássicos, porque emprestava às palavras do seu rico vocabulário uma dignidade mais rara, que tornava cada parte do discurso uma peça de sentido próprio e rico, para desfruto da sensibilidade e do gosto cultural dos seus ouvintes e leitores.

Enfim, revendo tudo, estou seguro de que, confirmada que fosse sua candidatura ao assento da nossa Casa, com certeza, nos dias de hoje, eu, certamente teria desistido, igual aos outros, de concorrer com ele, senão, pelo contrário, iria patrocinar sua eleição.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo
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