(Ao fundo, enquanto você lê esta crônica, imagine ouvir os acordes do “Parabéns a você”, cujo volume sobe nos compassos correspondentes ao verso “muitos anos de vida”)

Hoje fiz um jantarzinho de aniversário: são exatos três meses de confinamento.

Coloquei sobre a toalha florida dois copos em formato de clepsidras, nas quais a areia cai mais lentamente do que o normal. Também depositei sobre a mesa as fotos da família. Das três mais recentes gerações. Elas trazem ao presente e de longe os que estão no coração, bem pertinho.

Colei em cada prato um diferente item da lista de desejos a realizar tão logo eu possa voltar a algum tipo de convívio social.

· Beber litros de café em boa companhia, em conversas sem hora pra acabar.

· Sentar em um banco da pracinha perto de casa e ficar observando pessoas (sim, elas existem!) que passam, calmas ou apressadas, com suas sacolas de compras.

· Divertir-me com crianças em bicicletas ou rodando no carrossel iluminado da mesma pracinha.

· Deliciar-me com o som das ofertas do carro dos sonhos que está passando. E comer dois deles, porque não quero mais ser de ferro, nem contar calorias!

· Acompanhar com os olhos velhos como eu a fazer sua caminhada tipo vitamina D + xô-artrose. E pensar: fazem eles muito bem! Quanto a mim, acompanho-os com o olhar.

· Entrar no meu carrinho modelo anos 90 e dar um rolê sem compromisso, parando para admirar uma árvore, um jardim florido, uma casa monumental.

· Fazer uma visita longa para matar ao máximo a saudade de uma livraria física (se é que sobrou alguma) e sair de lá com livros a mancheias e, se o dinheiro der, uma nova coleção de CDs. Sei que é programa bem tiozão, mas a alegria da gente desconhece prazo de validade tecnológica.

· Tomar um caldo de cana na Kombi estacionada na esquina de casa (será que seu Matias sobreviveu à Covid e à crise econômica?).

· Fazer um pudim italiano, levar na casa de minha mãe e comer tudo sem culpa, juntas, enquanto trocamos histórias e temores.

· Comprar ingressos para uma peça de teatro e um show musical em teatrinhos aconchegantes e em boa companhia. Ah, e uma tarde todinha curtindo aqueles filmes para não esquecer e que só acontecem no Cine Passeio!

· Levar meus netos à loja de brinquedos para uma farra consumista de deixar o cartão de crédito enrubescido. Ah, não posso esquecer de comprar quebra-cabeças e bichos de pelúcia para mim!

· Convidar meu marido para uma viagem bate-e-volta pra um lugarzinho bem romântico, sem máscaras nem álcool em gel. Só afeto e gentileza.

Na toalha florida, pus um HD com as notícias e polêmicas da catástrofe brasileira. Pra não esquecer, para cobrar, para homenagear, para lamentar.

Coloquei sobre a toalha as receitas das refeições frugais, das conversas sobre comida, dos programas de culinária pró-obesidade da televisão; retratos do dia a dia de quem, por sorte ou mérito, ficou do lado privilegiado dos que puderam manter uma alimentação continuada.

Sobre a mesa, espalhei esparsamente flores secas. Elas nasceram durante o confinamento, feneceram e secaram. Lá fora, no entanto, a morte continua sua colheita.

Distribuí sobre os objetos na mesa centenas de corações recortados e identificados com os nomes das pessoas com quem convivi virtualmente neste período triste. Sob os nomes, desenhei pássaros, flores e chamas: a leveza, as cores e o calor humano.

Enfim, coube ainda sobre a toalha de flores estampadas, algumas folhas de papel contendo o que escrevi para falar de mim, de nós e dos que, como eu, terão outras histórias para contar. Sobre estas páginas, como uma velinha comemorativa, vai esta folha que você lê.

Três meses: quantos mais?

“Pa-ra-béns-pa-ra-nós,
mui-tos-a-nos-de-vi-da!”

  • Autor: Acadêmica Marta Morais da Costa
  • Foto: cedida pela autora
  • Imagem: Profivideos por Pixabay