Octávio Blatter Pinho veio ao Paraná em 1954, aprovado em concurso do Ministério Público, e, ao que se sabe, exerceu as funções das promotorias de Jacarezinho e Rolândia, permanecendo no exercício por quase quinze anos, quando pediu sua disponibilidade, para vir a ganhar sua aposentadoria só em 1984.

Desse seu primeiro tempo, deu notícia depois de que reverteu ao Rio de Janeiro, assumindo banca isolada da advocacia, além de manter atividade como empresário e consultor jurídico de empresas, por outro tempo, até que, finalmente, passasse a integrar a sociedade “Blatter & Galvão, Sidou, Witaker, Richelette – Escritório de Advocacia”, na qual se manteve por dezoito anos.

Agora, porém, como advogado bem relacionado e sucedido, decidiu rever sua longa carreira e tentar repassar aos mais novos parte das lições colhidas de sua experiência profissional, na vida diária do foro e na convivência com a ciência do direito, cujo trato não se reduz, sobretudo, a princípios dogmáticos, de exercício simplesmente dedutivo, mas reclama, no mais das vezes, maiores dotes da arte do convívio humano, por caminhos às vezes ambíguos, ao encontro de satisfações esotéricas. Daí ter oferecido a edição ainda recente do seu “A advocacia, cá entre nós”, com o subtítulo de repositório de observações, reflexões e histórias de uma vida ofertada ao culto do direito vivo.

O livro foi primeiro boletim de circulação interna do escritório, mas ganhou tal acolhimento que se converteu num amplo cabedal da prática do direito, pela via da advocacia, na busca de respostas judiciais, para pendências mal resolvidas. Traz todo o roteiro processual, desde o primeiro contato com o cliente, depois a aceitação da causa, sua postulação e sucessão processual, todos os episódios pontuados de amplas e ricas recomendações do autor e testadas por nomes da maior autoridade jurídica.

Mantém um sabor prático e, ao final, reúne excertos de um extenso repositório extraído dos mais belos exemplos da deontologia jurídica, desde os decálogos de Santo Ivo de Kermatin (patrono dos advogados) e de Santo Afonso Maria de Ligório, e dos mais atuais e nacionais Eduardo Couture, Ives Gandra, Ângel Ossório y Gallardo; ainda os Mandamentos de Ruy Barbosa, Rodolfo Luiz Vigo; o Credo de Clóvis Beviláqua e Clóvis Ramalhete, incluindo, para nossa particular surpresa, os Mandamentos do Promotor de Justiça, nosso colega do Ministério Público paranaense, Paulo do Rego Monteiro Rocha,  recentemente falecido.

Não sei se Blatter Pinho conheceu Paulo Rocha; certamente não, pois Paulo ingressou no Ministério Público em 1974, cinco anos depois que ele havia deixado o cargo e o Estado. Por outro lado, Blatter Pinho também não deixou registro de sua maior presença entre nós. Num livro de mais de 200 páginas, só fez menção pessoal a duas pessoas da justiça estadual: ao des. Eros Gradowski e ao juiz Aurélio Feijó, ambos, porém, da magistratura. Mas, quanto ao nosso Paulo, ele foi buscar seu decálogo nas letras de uma publicação secundária de nossa entidade associativa, que contemplou com uma página distinta do seu livro, reproduzida por inteiro, mas se abstendo de oferecer juízo de opinião (até dispensável…).  O decálogo de Paulo foi assim convertido numa legenda levada à altura de uma galeria de outras, de autoria de eminências nacionais e internacionais, exibindo modelos superiores da deontologia jurídica.

Paulo Monteiro Rocha era do Piauí, mas veio recém-nascido para o Paraná, desde então sua terra de adoção. É membro de família ampla e tradicional, toda já paranaense e parte dela de natural vocação jurídica, de cujas letras já tem participação marcante, no nosso Estado e no vizinho Santa Catarina.

Em 1974 ingressou no MP do Paraná e perfez um longo percurso pelo interior, até alcançar a capital e ser promovido a procurador de justiça (1999). Foi sempre, porém, figura exemplar no exercício de agente do Ministério Público e na sua própria condição de cidadania. Homem de hábitos discretos e trato cordial, fez amigos, fama e memória, com lembranças deixadas em todas as comarcas onde atuou. Consta que foi durante sua estada em Maringá que elaborou seu decálogo, e que por primeiro distribuiu aos colegas e amigos, depois editou em publicações de sua entidade de classe. Mostrava, porém, um retrato nobre mas severo de si mesmo, sobretudo no trato funcional. Sua disciplina é mais extensa que a dos outros e as regras mais severas. Cobra austeridade maior e impõe rigor mais severo, o que se costuma atribuir à sua particular índole e ao quanto costumava cobrar de si mesmo, para dar o dever por cumprido. Até vejo em algumas dessas regras constarem traços de predicados da vida monacal, embora não o fizesse perder seu sentimento social, generoso e afetivo. Exemplos estão no livro que nos deixou, de fim de carreira, com seus “Pensamentos e Reflexões”, tirado em 2011, depois da aposentadoria e quando, ao que se diz, já estava possuído da doença que iria lhe tirar a vida.

Tomo até a liberdade de distinguir duas semelhanças pontuais entre Paulo Monteiro Rocha e Blatter Pinto, tanto na origem modesta do livro e sua proposta inicial de servir como simples resenha particular, já no recesso da profissão, e depois por servir como manual de instrução da arte da advocacia, acompanhando passo a passo o procedimento judicial. Paulo, por seu turno, adota procedimento aparentemente igual, mas numa visão superior da vida, que inclui, o mesmo percurso a pé e lentamente, o culto geral do amor familiar e o exercício das virtudes morais e os cuidados com a saúde do corpo e a pureza da alma. Um manual completo do exercício de virtudes de cidadania, convívio conjugal, patrocínio familiar, exercício profissional, participação e conduta social, de que foi exemplo.

Enfim, tanto Paulo do Rego Monteiro Rocha, como o estado Paraná hoje fazem parte de uma galeria universal de regras fundamentais do exercício do direito e da justiça. Paulo como seu consagrado autor e o Paraná como a terra onde ele encontrou condições e estímulos para concebê-las e vê-las distinguidas entre as mais celebradas de todo o mundo.

Parabéns aos dois, portanto.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor