Foi o que me perguntou um velho amigo e justificou a insólita pergunta, lembrando que o Hino Nacional do seu tempo de escola, e que aprendeu a cantar, tinha mais letra do que o de hoje, porque se cantava também a introdução. O que agora já não se faz.

O que aconteceu com o nosso hino, insistiu? Não era assim também no seu tempo?

Pois, não é verdade que o meu amigo tinha razão! No meu tempo também se cantava a introdução. Depois foi suprimida. Por quê?

Ora, para quem sabe, a melodia do nosso hino conservou até há pouco sua tonalidade original de 1831, composto por Francisco Manoel da Silva e com letra de Ovídio Saraiva de Carvalho, foi servir a solenidade de abdicação de D. Pedro I (então Hino 7 de Abril). Entretanto, em 1841, teve nova versão que o transformou em Hino da Coroação, para os festejos da assunção ao trono de D. Pedro II, agora com letra de João José Silva Rio.

Em 1889 veio a República, quando o governo provisório abriu concurso público para o símbolo do novo regime. O desfecho do certame foi no Teatro Lírico do Rio de Janeiro, quando, entre outras 40 composições, quem acabou classificado foi o belo hino de Leopoldo Miguez.

Independente desse resultado, a manifestação popular se inclinou a favor da conservação da melodia do antigo hino, e essa opinião chegou a ganhar tal intensidade que chegou a conquistar a adesão do Marechal Deodoro que, em 1890, o oficializou como o Hino Nacional, enquanto o de Leopoldo passou a ser o Hino da Proclamação da República.

Consta que era tanto o gosto popular pela melodia do velho hino que, ainda sem letra, a ele foi incorporada uma versão marota, na parte introdutória, cuja autoria foi atribuída aos adversários de Floriano Peixoto, como pretexto para hostilizar o governo nas solenidades oficiais.

A letra era assim: “Laranja da China, laranja da China, laranja da China. Abacate,          limão verde, tangerina”.

E é desse tempo a versão de Gastão Penalva de que, quando Lauro Muller fez visita oficial aos Estados Unidos, fundeou o Minas Gerais em Nova York e recebeu festiva manifestação de boas vindas da parte da oficialidade americana, seguida de um laudo jantar de confraternização no Codage Hotel. Terminado ágape, numa última homenagem os americanos passaram a entoar o hino do seu país.

Assim, diante de tamanha manifestação de hospitalidade, nossos oficiais sentiram-se na obrigação de devolver a homenagem no mesmo tom, cantando o Hino Nacional brasileiro. Só que não tinha letra. Sua versão em versos ainda não existia. Contudo, para vencer o embaraço, alguém aventou os versetos da Laranja da China, que toda a guarnição passou a entoar com grande brio nacionalista, ganhando consagração geral.

Voltando, porém, ao roteiro histórico, a esse tempo se viu que ele precisava de uma moldura vocal, um texto poético e patriótico que exaltasse os novos tempos da República, o que só aconteceu em 1922, quando o governo adotou a letra de autoria do poeta Osório Duque Estrada, por cinco contos de réis e por decreto editado pelo Presidente Epitácio Pessoa.

Assim, como se vê, embora a versão original da música tenha sido preservada com pequenas correções de compasso (que não tiraram seu tom marcial), os versos foram sendo substituídos por outros, para solenizarem importantes momentos históricos da vida nacional.

A letra não ficou só nisso, não. O próprio Duque Estrada posteriormente fez diversas modificações nela. Ainda durante o governo Vargas foram criadas comissões destinadas a propor e adotar uma versão definitiva, ne varietur, dos seus versos, ou até suprimir parte importante deles.

Enfim, dos versos cantados na minha infância, ainda se pode resgatar a parte suprimida, que corresponde à introdução instrumental, parte que não figurava no original de Duque Estrada.  Por que ela deixou de ser cantada, não se tem notícia. Sobre isso digam os que souberem. Mas, o que ficou de lembrança ficou assim:

Espera o Brasil que todos cumprais com vossos deveres

Eia avante brasileiro,

Sempre avante!

Gravai a buril

Nos pátrios anais do vosso poder

Eia avante brasileiros,

Eia avante brasileiros,

Sempre avante!

Servir o Brasil com ânimo audaz

Sem esmorecer!

Na guerra e na paz

Cumprir o dever

À sombra da lei

E à brisa gentil

O lábaro erguer

Do belo Brasil

Eia, sus! Oh sus!

Alguém entre os mais velhos ainda se lembra desta parte do culto nacional e pode nos contar o que ocorreu com ela?

Era alguma excrescência, versos de mau gosto ou desairosos ao sentimento da nacionalidade, que foi preciso suprimi-la?

É difícil admitir que o hino nacional de um país, um dos seus símbolos mais representativos, possa ganhar emenda oficial, ser difundida nacionalmente durante uma geração e depois suprimida, sem maiores explicações.

Talvez tudo se deva ao tempo de Getúlio Vargas, quando o governo procurou dar forma definitiva à melodia e ao poema patriótico. Quem sabe foi a esse tempo que alguém mais patriota que os outros quis fazer uma contribuição pessoal ou dar expressão vocal a toda a melodia.

A propósito vale lembrar que na opinião do maestro Alberto Nepomuceno, todo hino deve ter letra e ser cantado por inteiro, até a introdução instrumental.

É o que se sabe de quem participou dos trabalhos de revisão. Não está aí, talvez, o “busilis” da questão?

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto