Em nosso corpo, de todos os cinco sentidos, o ver é o mais significativo deles, por nos permitir as mais inusitadas formas de captar o simbolismo inserido em seu desempenho. Colocado em lugar estratégico do rosto e muito próximo de nosso cérebro, o olhar humano, dependente da luz, tem o papel de permitir que nosso espírito entre em contato direto com tudo que percebe, ao interiorizar os efeitos dos raios luminosos que incidem sobre ele, distinguindo formas e cores:

                                                      Sol que ilumina

                                                      O brilho da retina

                                                      É fascínio que domina

                                                      Qual presença divina

Em acréscimo, nossos olhos reproduzem as mais variadas formas de reação de nosso espírito frente ao que observa, sejam as reações de desejo, repulsa ou contemplação. É o olho do Espírito, inserido que está em nossas formas luminosas de perceber. Dessa forma, nosso olhar pode ser estético, erótico, emotivo ou extático, tudo dependendo das disposições internas de nossa espiritualidade, imersa como se encontra ligada intimamente ao corpo.  Assim, pelo olhar estético, sentimos intensificar nossos anseios de atingir a beleza, em todas as suas formas, sejam materiais ou abstratas. Já o olhar erótico, intimamente relacionado ao desejo sexual, na ausência deste, deve se transformar em ágape ou amor transformado em caridade e desprendimento, como expressou SÓCRATES.

Nas expressões estéticas, nosso olhar consegue captar a beleza presente em inúmeras manifestações da Natureza, como a formosura refletida no rosto dos adolescentes, a harmonia complexa das paisagens naturais, a simetria e o colorido das flores ou os ornamentos decorativos criados pela inventividade humana. Ora, isto só se torna possível pelo Espírito que habita nosso cérebro, testemunhando uma dimensão viva específica de nossa transcendência.

Em complemento, há ainda as formas do olhar contemplativo, que pode ser praticado seja de olhos abertos ou de olhos cerrados. Ao nos aproximarmos dos ícones sagrados, como forma de reverência e adoração, é a oportunidade de proferir preces votivas. Já a obtenção das graças requeridas, depende apenas das disposições divinas em nos atender, exigindo-nos humildade e confiança. Assim o olhar, dirigido ao sagrado, vê a possibilidade de superar as deficiências naturais que nos afligem, nos colocando no mundo extático das presenças virtuais de todos os santos.

O fechar de nossos olhos durante o sono ou mesmo no momento de nossa morte representa um ato instintivo da paralização de nossos sentidos exteriores, facilitando assim a incursão de nosso corpo na plenitude de nossa alma, que passará a habitar o mundo transcendente acima das nulidades terrenas.

Como olhar contemplativo a uma obra de arte, temos revelado um enlevo espiritual, tanto para o artista que a cria quanto para o leigo que a admira. Ora, isto os animais não sabem fazer, o que representa a diferença essencial do ser humano dos animais. Em conclusão, nosso olhar é mesmo uma demonstração inequívoca de nossa espiritualidade, colocando-nos num patamar elevado de manifestações, que só se torna possível graças à incursão em nosso cérebro, de um poder virtual de percepções transcendentes, que em suas origens certificam oportunidades de reconhecer o que é o mundo espiritual. Olhar de devoção, pura revelação, do divino em ação. Olhar de oração, palavras do coração, pedindo graças em turbilhão. Olhar poético, herético na criação, como pura inspiração. Olhar erótico, que se abre como pórtico, abrindo os desejos, que são puros almejos.

  • Autor: acadêmico Antonio Celso Mendes
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: Analogicus por Pixabay