Existe uma voz que agora ressoa no Sul. Soa meio desgarrada e dispersa pelos campos e cidades meridionais do país através de lideranças locais e se diz representante de três dos nossos Estados: Rio Grande, Santa Catarina e Paraná, que pleiteiam sua emancipação do país. O projeto é hoje uma instituição privada, com sede, bandeira e até mascote. Alega contar com 30 mil membros e 300 mil simpatizantes. Identifica-se como um movimento pacífico e plebiscitário, cuja proposta é promover estudos sobre as motivações culturais, sociais e políticas que justificam a secessão política e administrativa dos estados sulinos do resto do Brasil, tal como também se dispõe a apoiar toda pauta separatista de outros estados ou regiões da Federação.

O objetivo da separação é criar uma República Municipalista Parlamentar independente, com sede em Lages-SC, sob gestão dos próprios municípios e dispondo da distribuição de 80% da receita que arrecadar.

Sua iniciativa é de 1992, atribuída a Celso Deucher e Adílcio Candorin, aquele jornalista, este historiador e político, ex-prefeito de Laguna. A pretensão do movimento é promover uma consulta popular em toda a região sul (Plebisul), que legitime a pretensão da emancipação de parcela expressiva do território do Brasil, representativa de cerca de 580 km² e mais de 21 milhões de eleitores. Seus organizadores já promoveram duas consultas populares, a primeira em outubro de 2016 e a segunda no mesmo mês de 2017. O melhor resultado foi a apuração de 616.917 votos, dos quais 590.664 se mostraram favoráveis à partilha, na proporção de 95.74% sim, contra 26.253 não. O movimento, porém, prossegue, convencido de que ainda vai alcançar o objetivo a que se propôs, à semelhança de tantos outros movimentos separatista que ocorrem em outras partes do mundo e mesmo no Brasil.

Na verdade, embora, o nosso país, surpreenda pela extensão territorial alcançada, mais surpreendente ainda parece ter sido preservar, por mais de cinco séculos, a integridade e a unidade de todo essa extensão continental, conquistada pacificamente e à contramão do restante dos nossos vizinhos da América Latina.

Porém, isso não exclui os surtos de movimentos separatistas que nossa história registra, como a Conjuração Mineira (1789), a Conjuração Baiana (1798) a Pernambucana (1817), e as de raiz nativista, como a Guerra dos Emboabas (1707), dos Mascates (1710), a Revolta de Felipe dos Santos (1720), ou da Cachaça (1660).

E essa força ainda hoje se mantém viva, em movimentos semelhantes ao “O Sul é o meu País”. Movimentos locais e regionais, como o “Grupo de Estudos Nordeste Independente” (GESNI); em São Paulo, o “Movimento São Paulo Independente”, “São Paulo para os Paulistas”, “Liberdade Pátria Paulista”; no Rio Grande do Sul o “Movimento República Rio-Grandense” (MRR) e “Movimento Independência do Pampa” (MIP) e outros mais.

Enfim, repenso que a raiz disso tudo repousa num erro histórico da geopolítica do Brasil. Tavares Bastos já acusou que nosso quadro político tem um “erro de simetria” desde as origens. À míngua de recursos do erário o governo português criou as capitanias, convertendo o donatário em verdadeiro senhor feudal, dando início às hegemonias e desigualdades que prevalecem até hoje, no  desfruto de primazias locais e até no exercício do poder central, além de diferentes formas de colonialismo interno.

Assim, o Brasil cresceu desigual, dentro de um modelo intra-regional de províncias (depois estados), dotados de áreas extensas enquanto outras unidades permaneceram reduzidas a territórios desproporcionalmente menores. Essa disparidade poderia ter sido corrigida com a independência, – mas não foi! A monarquia manteve o mesmo quadro de origem, exceção apenas da criação das Províncias do Amazonas e do Paraná, embora surgissem à época as primeiras propostas de redivisão espacial do país, com Antonio Andrada, Bernardo da Vieira, Pimenta Bueno e outros.

É da República, porém, o maior número de propostas de repartição político-administrativa do país. Sobretudo depois de 1930 e, afinal, – para resumir o tema, no Congresso Nacional ainda tramitam propostas relativas à criação de outros dez Estados e sete unidades federais sob a administração da União.

Assim, à falta de recomposição do quadro estadual brasileiro, no sentido de suprimir as desigualdades e impedir a presença de hegemonias locais, nenhum desses projetos acabou implantado, sob a alegação de que exigiam profundas modificações na estrutura político-territorial do país, além de enfrentar firmes resistências regionais, autoritárias e orgulhosas, iguais a verdadeiras pequenas pátrias locais.

Em epítome e a despeito dessas históricas disparidades e suas consequentes deformações, a implantação do sistema republicano foi também um movimento de reação contra o regime financeiro da monarquia que exauria a maior parte da receita nacional em proveito do governo central, além da primeira República tornar o exercício do poder nacional uma simples alternância entre os dois estados mais ricos do país. Foi a chamada “política dos governadores”, uma das principais reivindicações que alimentaram a revolução de 1930.

Ora, por sua vez, o movimento “O Sul é meu País” consta que surgiu por estímulo da Catalunha e Curdistão, como consta de movimentos da mesma raiz em outros países do globo. Ocorre que esses outros têm corpo étnico e pauta de fundamentos históricos, linguísticos, sociais e culturais, que não temos. Na realidade não somos distintos do restante do país, e então se diz que as nossas diferenças culturais continuam válidas, embora inválidas.

Wilson Martins revelou nossa diversidade, mas não instigou nossa rebeldia. Para Bento Munhoz não temos o modelo do homem-padrão, nosso genótipo. Ao contrário somos um xadrez étnico. Para a mensagem paranista de Romário Martins somos a fusão da eugenia de todas as raças que nos adotaram. Aliás, penso igual de todos os filhos do sul do Brasil. E veja-se bem que, embora prevista uma manifestação de um ou dois milhões de sulinos, o Presul, em duas consultas populares, só reuniu a representação de 5% do contingente eleitoral da região. Não conta também com lideranças expressivas e não ganha projeção na opinião pública.

Trata-se, portanto, de uma pretensão de minoria, que não nos autoriza a romper com nossas próprias raízes comuns.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto