De alma atormentada, as palavras fogem de meus dedos, se escondem, enrugadas, estafadas. As procuro febrilmente, mas estão submersas em alguma página e não se mostram dispostas a conquistas.

Fingem que vão surgir em frases, versos, crônicas, cartas, e em quaisquer formas, arrumadinhas para seus pares, mas que? São vocábulos fantasmas em ensaios débeis de corpo e espírito.

Têm passado, data de nascimento e registro em cartório, sejam substantivos, adjetivos, verbos, pronome, preposição ou outras configurações. Mesmo com todas suas agruras, aflições, dificuldades, têm também em seu perfil anterior alegrias, avanços, conquistas etc. O pretérito é algo concreto, palpável, feito e, se possível, felizmente feito.

Mas, o presente com a cor que tenha, especialmente o obscuro, custa a rabiscar o papel e comunicar o que vai por dentro de sua tez e na minha pele com as palavras escondidas. Será que elas se exilam no passado para suportar o presente?

Da próxima vez que encontrá-las, vou inquiri-las, de forma direta e objetiva: para que servem se não querem dizer algo? Tenho alguma coisa se ninguém se presta a raciocinar com suas saias, bordados, rendas, sinais, tatuagens, chapéus e dizeres? Ou sua primavera esconde-se em iglus do inverno rigoroso?

Procuro os hieróglifos e fazem cara de paisagem egípcia. Os signos das estrelas e informáticos estão a passear de mãos entrelaçadas. O latino e o grego fazem serenatas para suas amadas carcomidas. Os versos camonianos e drummondianos cofiam segredos na Praça do Chiado, sem dar bola para a angústia pandêmica que estrangula minhas simples palavras. Tristes, elas podem estar sofrendo de falta de oxigênio em suas células. Só o ditatorial, ameaçador e o ferino oferecem seus préstimos, mas não os quero em minhas crônicas, versos ou rabiscos. Nunca!

Sabe-se lá quando as palavras, todas elas, se oferecerão tentadoras, glamorosas, ou minhas palavras, donas de si e de mim, deixarão o casulo, sem mirar-se no retrovisor, assumirão suas fantasias de múltiplas imagens e por carreadores divinos terão asas, significados e brilho próprios.

  • Autor: acadêmico Nilson Monteiro
  • Foto: redes sociais