Em 1822, com a proclamação da independência, o Brasil se converteu numa monarquia hereditária, constitucional e representativa dividida em 20 Províncias, entre as quais se incluíam as de São José das Palmas e a Cisplatina, a primeira extinta em 1823, a outra em 1838.

Em 1834 foi criado o Município Neutro que vai se converter no Distrito Federal da República e hoje é a capital do Estado do Rio de Janeiro, com o mesmo nome.

Ainda, durante o Império, foram criadas as Províncias do Amazonas (1850) e do Paraná (1853).

Porém, com o regime republicano, a Federação vai contar com outros Estados, como os do Amapá (1943), Acre (1962), Mato Grosso do Sul (1977), Rondônia (1982) e Tocantins (1989).

A ocupação do Brasil-colônia se fez em grande parte no longo da orla marítima, diante da dificuldade dos habitantes dos primeiros tempos, de alcançar o planalto, vencendo a cadeia de montanhas que bordejam grande extensão do litoral.

Embora demarcada a testada das capitanias frente o oceano, com os fundos livres à ocupação, até o alcance do meridiano de Tordesilhas.

Assim se explica a origem e a configuração desigual das Províncias do Império. Diversas na extensão e na existência de recursos que garantissem sua permanência e desenvolvimento. Desigualdades que tampouco se tentou superar ou corrigir durante a Monarquia, senão criando duas outras províncias e o Município Neutro, este para sediar o governo central.

Apesar disso, porém, surgiram inúmeras vozes que, tanto no período imperial como no republicano, se propuseram a corrigir o que Tavares Bastos denominou de “erro de simetria”, sugerindo uma reformulação geopolítica mais ampla, que corrigisse as desigualdades maiores e assegurasse melhores condições de desempenho e desenvolvimento para todas as unidades da Federação.

Deu-se então livre curso à imaginação, com propostas de todo gênero, que, incluíam a conversão do país em 500 municípios de igual tamanho ou composto de figuras geométricas. O Paraná fazia conjunto com Santa Catarina, com a capital em União da Vitória.

Ocorre, porém que, embora resistindo a uma nova repartição do território nacional, ou à simples criação ou correção de suas unidades, o país tem registrado especial empenho em recompor suas divergências sobre seus limites interestaduais ou áreas de conflito, mediante acordo direto dos governos locais, por arbitramento ou decisões suscitadas perante o Supremo Tribunal Federal. Alguns Estados até já se compuseram amigavelmente, como o Paraná e Santa Catarina ou o Amazonas com o Mato Grosso e o Pará.

O Acordo entre o Paraná e Santa Catarina restabeleceu os limites entre os dois Estado e pacificou o que foi considerado o maior conflito da América, nossa guerra civil, que sacrificou 20 ou até 30 mil vidas, consumiu pelo fogo 9 mil casas e representou um dos maiores desastres ecológicos do país. Eram terras com a superfície de quase 50 mil km² (o dobro de Sergipe e Alagoas e maior que a Holanda e a Bélgica), das quais o Paraná só recuperou cerca de 20 mil e Santa Catarina ficou com 28, rendendo-se a uma decisão que Romário Martins chamou de usurpatória e “bradante de insolidez e de ilegalidade”.

Antes do episódio do “Contestado”, porém, o Paraná já esteve na iminência de perder também outra parcela expressiva do seu território, no sudoeste do Estado, numa área de 30.621 km², compreendida entre os rios Chopin e Chapecó, reivindicada pela Argentina. A propósito, em 1885 foi constituída uma comissão mista dos dois países, destinada a identificar o curso dos respectivos rios e definir a soberania do território. Houve arroubos de guerra, e até se chegou a um acordo de divisão da terra, mas o dissídio acabou em arbitramento, finalizando com o reconhecimento do território como do Brasil.

Em 1943 se deu então a criação do Território do Iguaçu, constante da proposta revolucionária de 1930, por conta da segurança nacional e do projeto da “Marcha para Oeste”. Com sua criação foram subtraídos 51.452 km² do Paraná (25,73%) e 14.402 km² de Santa Catarina (15,16%). Lesão territorial que não contou com nenhuma reação popular, senão algumas manifestações pontuais da imprensa e de uns poucos líderes locais. Oliveira Franco, Secretário da Fazenda renunciou ao cargo, Ângelo Lopes, Secretário de Viação considerou que, ao cabo, o Paraná sofria uma amputação insignificante. O Interventor Manoel Ribas enviou a Vargas um jubiloso telegrama de congratulações. Foi Bento Munhoz da Rocha, porém, o jovem e promissor professor da Universidade do Paraná quem iria vocalizar o inconformismo e o desalento paranaense pela subtração, a punhadas, de uma das partes mais ricas e futurosas de nosso Estado, liderando numa vigorosa campanha política que o levou ao Congresso Nacional e a ver aprovada a emenda de sua autoria, que consagrou o art. 8º, do ADCT, da Constituição de 1946, extinguindo o Território do Iguaçu e fazendo reverter sua área a seu Estado de origem.

Refletindo sobre nosso passado, sobretudo o mais recente, somos levados a concluir que talvez não exista na Federação outro Estado que, como o nosso se ressinta tanto de ter servido à ambição dos seus vizinhos como os nossos (inclusive estrangeiros), e possa lamentar maiores lesões e danos à sua soberania.

E há outros questionamentos ainda vivos, que nos autorizam a concluir que nosso perfil geopolítico ainda não tem traçado definitivo. Há questões abertas, como a divisa de São Paulo, quanto a Serra Negra, uma área de 294 km², cuja referência a “águas claras” não permite localizar se são as do córrego local, ou da bacia hidrográfica de Guaraqueçaba.  Assim também quanto às quatro ilhas do rio Paraná, na divisa com Mato Grosso. As Japonesa e Floresta, tanto como a Bandeirantes e a Peruzzi.  A lei é vaga e sugere que, a bem de ver, são do Paraná. Enfim, ao cobro, ainda há a questão do mar territorial, sua interpretação é equivocada e reduz nosso quinhão a um único poço de petróleo: o campo de Caravelas é reivindicado por Santa Catarina desde 1991.

Ora, sendo assim, posso até dizer: O Paraná como terra de todos é apenas uma legenda acolhedora e generosa aos seus irmãos; nunca, porém, um desafio à cobiça e à partilha dos que não o são.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo