Antecipando as comemorações do centenário da emancipação do Paraná, o governador Bento Munhoz da Rocha (1951-1954) criou, nos primeiros anos de 50, uma Comissão Especial de Obras do Centenário (Ceoc), de que foi engenheiro-chefe Ivo Arzua Pereira, e propôs então um ambicioso e moderno projeto de celebração da nossa emancipação política, com o propósito de exaltar nossa prosperidade material e proclamar nosso progresso político e social.

A economia do Paraná atravessava no após-guerra um período de evidente prosperidade, pois o café, nosso principal produto, fizera do Brasil seu maior exportador, aos olhos do mundo. Nossa fronteira agrícola alcançava todo o espaço do estado e revelava ser a mais dinâmica do pais, e, enfim, a receita pública do Estado ganhava também valores cada vez mais expressivos.

Entre outras tantas comemorações, o projeto incluía, a princípio, a exposição de 21 figuras gigantes de pedra, ocupando o centro da praça do Centro Cívico, entretanto, diante de circunstâncias, o propósito logo passou para a remodelação da praça 19 de Dezembro, no centro da cidade, com a elevação de um obelisco com inscrições alusivas, a presença de um tanque sinuoso, um mural de duas faces, um delas de granito, a outra revestida de azulejos azuis e brancos, com figuras retratadas por Poty Lazzarotto, reproduzindo episódios da formação histórica do Paraná, além de uma estátua de granito, de oito metros, representando um homem nu, obra concebida pelo escultor Erbo Enzel e realizada por Humberto Gozo.

O gigante nu era a representação do homem paranaense, jovem, simples e vigoroso, olhando para o futuro e procurando transmitir a imagem mais expressiva de nossa confiança no progresso e na nossa própria grandeza.

Foi o nosso maior ícone, mas o mais polêmico deles.

Ocorre, porém, que o projeto compunha também um outro plano de obras, que incluía um novo Palácio do Governo, Biblioteca Pública, além do próprio Tribunal de Justiça, mas, de todo este conjunto, a única obra que, embora inacabada, podia se prestar para a celebração oficial do centenário, em 19 de dezembro, era o Palácio do Governo, que acabou servindo então como palco da solenidade comemorativa, celebrada com a maior pompa, acolhendo autoridades de todo o país em as quais se incluía o próprio presidente Getúlio Vargas.

De outro modo, embora a festa do Centenário adotasse a imagem do homem nu, como figura simbólica e representativa de nossa identidade regional, ela acabou provocando toda sorte de interpretação e opiniões, do gosto mais popular, como também se transformou em instrumento de combate político, em nível estadual, de um lado o governador Banto Munhoz, e doutro seu adversário Moisés Lupion, do governo anterior e seu futuro sucessor, ambos os grupos entrincheirados nos órgãos principais de imprensa local e frentes de opinião.

O objeto maior do confronto era, em particular, ao dispêndio exigido pelas obras do Centenário, previsto para 435 milhões de cruzeiros, que serviram de pretexto para sustentar a disputa, sob alegação de que estes valores tão altos, seriam melhor aplicados em obras de infraestrutura, estimulo à indústria e desenvolvimento social, bem melhor que se prestarem apenas para animar um palco de festivais espetaculosos, promovidos pelo governador para ganhar popularidade e alimentar sua ambição pelo presidência da República.

Por outro lado, no primeiros anos de 50 a produção do café passou a se ressentir de geadas consecutivas, de 1953 e 55, seguidas da queda do preço do produto, por manipulações do governo americano, retardando o cronograma das obras.

No plano social, também, a figura central do homem nu iria encontrar resistência para merecer aceitação das categorias superiores e mesmo dos mais simples da sociedade paranaense, pois, a partir de Romário Martins se vinha construindo um símbolo próprio da identidade paranaense, de composição diversa do modelo tradicional do mestiço luso-brasileiro. Foi o Paranismo, o neologismo com significado semântico próprio, reproduzindo a identidade simbólica de uma figura e cultura predominantemente europeia, embora trouxesse tintas locais do negro e do índio, mas de menor textura, porque não iriam desviar a imagem de sua linha central, própria de um perfil do tipo escandinavo e esbelto, igual a um éfebo da velha Grécia ou um dolicocéfalo loiro e belo, com características sociais de comportamento contido, mas amistoso e até cordial.

É natural, portanto, que já ao primeiro encontro ele se surpreendesse, e tivesse desprezo pelo gigante de pedra feito adolescente paranaense.

David Carneiro, historiador da província, já o negou de frente, para quem a figura “não significava nada, era só um bloco de pedra”. Para Osvaldo Pilotto, historiador e educador, da mesma forma, o homem de granito tinha membros agigantados e pernas enfermas, sofria de elefantíase. Não passava de um negro velho, com inchaço nas pernas e pragmatismo berrante, registrou o jornal “O Dia”, saudando a instalação da estátua.

Enfim, o nudus não tinha sentido, não era representativo do homem paranaense. Era um monstrengo e, ao lado dele, uma mulher também nua, acrescentada depois, destinada a guarnecer o Tribunal, ambos constituíam ao ver de quantos, um “casal de macacos”.

Além do mais, Ernani Santiago de Oliveira e Wallace Tadeu de Mello e Silva participaram do projeto original das obras do Centenário e, ao tempo da renúncia de Bento, fizeram distinguir no monumento uns tantos símbolos da Maçonaria e uma homenagem à cidade de Washington, de antigos laços afetivos com o Paraná, apontando sua adoção em sete pontos da obra, que é número sagrado da Maçonaria, assim nos sete refletores que iluminam o chafariz e a estátua. O punho cerrado da mão direita do homem, formando a letra “G” maçom, e, mais ainda, no centro do painel o uso de um avental, que é hábito maçônico.

Ao final de tudo, o grande painel do Centenário representou, com certeza, um dos momentos de maior presença e exaltação do povo paranaense, porque não se reduziu, apenas, a confirmar sua maturidade ou em definir sua identidade, própria ou distinta dos seus outros irmãos, mas em demonstrar seu orgulho por ter contribuído e poder continuar ainda servindo à construção definitiva de um mundo cada vez melhor, mais unido e mais feliz, para proveito de todos nós.

O Brasil tem muitas cores, mas a verdadeira é a que contém todas elas. Qual é a sua?

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor