O Ministério Público tem muitas versões de sua origem, porque a história é sempre e, afinal, o produto de uma visão de muitos. O que se costuma resgatar do seu passado, porém, são manifestações fragmentárias do seu papel principal, para o qual foi destinado a seu tempo.

Disse dele Hélio Tornaghi que o Ministério Público cresceu por avulsão: a cada tempo agregou novas atribuições e responsabilidades, até chegar à imagem que hoje ostenta, como instituição que cumula não só a defesa da ordem jurídica, da cidadania e da ordem pública, como também outro vasto elenco da valores sociais, materiais e históricos.

Mas, apesar da versão oficial de sua origem menor e de seus préstimos atreitos à consolidação do poder absoluto dos réis, ao tempo da emergência das nacionalidades modernas, seu papel e dos seus agentes acabaram por construir uma instituição que, para o jurista francês Faustin Helie, foi “un des plus admirables instituitions soient sorties du moyen age”.

Com esse introito penso poder conduzi-los a uma homenagem do maior merecimento que o historiador Túlio Vargas prestou à memória do Ministério Público paranaense.

Túlio fez carreira da maior projeção em nosso Estado, como deputado, secretário de Estado e autor de obras importantes da nossa história política regional e seus personagens. Durante seus últimos 14 anos foi presidentes da Academia Paranaense de Letras, cuja administração ganhou destaque pessoal pela sua liderança e condução de suas atividades.

Tinha critérios próprios, que imprimia na seleção de nossa representação e composição cultural. Porém, apesar de seu aparente aplomb, era homem de accès facile e pronto para servir quantos o procurassem para prefaciar livros meãos.

Mostrou, porém, uma especial consideração pelo Ministério Público, de cuja instituição cultivou a convivência com muitos de seus agentes e sua memória. E foi dessa intimidade que tirou as biografias de um trio de verdadeiros optimates da instituição: Mário Faraco, Laertes Munhoz e João Paulino Vieira Filho, cada um com sua própria autenticidade.

O primeiro livro teve por título a “Radiografia da Ética” e nele se propôs refazer a trajetória exemplar da Mário Faraco, como promotor e depois parlamentar. Faraco era filho de imigrantes italianos provindos de Sapri, na província de Salermo, mas nasceu na Lagoa Grande, do município de Araucária. Era ainda estudante de Direito quando ingressou no Ministério Público, em 1937, como adjunto de promotor e passou a fazer carreira que só interrompeu em 1950, com sua eleição para deputado estadual, cujo mandato cumpriu três vezes sucessivas. Voltou ao Ministério Público em 1962, eleito e reeleito corregedor-geral, até 1967, ano de sua aposentadoria. O relato de sua vida funcional está pleno de lances que retratam a precariedade instituição nesses tempos primeiros e os desafios que limitavam a atividade do promotor, agente constitucional da ordem pública e jurídica.

Foi, enfim, figura emblemática da corporação, senhor de grande zelo funcional e severo caráter moral. E ainda, recentemente, nonagenário, foi visto postulando nos fóruns da cidade, com surpreendente vitalidade e a mesma postura ética e fé no direito.

Laertes Munhoz, por sua vez, recebeu dele o título de “O Mestre Sublime”.

Foi nome que se projetou do MP para cumprir um rico desempenho na vida política do nosso Estado. Foi político, jurista, escritor, professor e orador primoroso. Precoce nas letras, estreou com seus “Enredos Fúteis”, “Coroa de Espinhos” e “Veneno de Cobra”, ainda em 1924, mas se tornaria a maior presença nas tribunas do júri e na quadra política do Estado, em atuações que deixaram registros memoráveis. Embora tenha desempenhado papel relevante no MP, inclusive como procurador-geral (1955), sua vocação política acabou por absorvê-lo por inteiro e projetá-lo à presença de toda sua vida.

Por fim, a biografia de João Paulino Vieira Filho em o “Promotor de Obras”, rende homenagem ao talento e à dedicação do promotor, mas corresponde também a uma maneira do autor retribuir ao líder político regional o estímulo para a sua iniciação na vida pública, eleito deputado por Maringá.

Homem de irradiante personalidade e aguda inteligência, Mandaguari (onde foi titular) ainda conserva lembrança viva de sua atuação e do brilho de sua presença como promotor.

Só corrigimos Túlio num ponto: João Paulino se aposentou como promotor de Maringá. Chegou a promotor criminal de Curitiba, porém, por modéstia, não aceitou ser procurador, porque, a seu juízo, não fazia jus, por supor que, com seu longo comprometimento político, já não tinha direito ao mais alto posto dos quadros da instituição e de funções que não cumpriu.

Assim e afinal, entre tantos outros legados do patrimônio cultural deixado pela perda de Túlio Vargas, o Ministério Público do Paraná pode se orgulhar, entretanto, de ter sido contemplado com um das partes mais ricas de suas memórias, na homenagem a três dos vultos mais eminentes da instituição.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor