Era 1944, eu precisava de melhor instrução na disciplina de Física, tinha dificuldades neste particular no Colégio São José (Rua Barão de Mesquita, Rio de Janeiro), em que os professores de Física e de Química eram por demais exigentes, para quem saíra do Ginásio Regente Feijó de Ponta Grossa. Em compensação ali em Matemática e em História eu aprendera suma cum laudis, o que me ajudou pelo resto da vida. Hosanna para  o Ginásio: era excelente de verdade, como atestou o reitor da Universidade Federal do Paraná Riad Salamuni. Procurou-se para mim um professor para Física e Química, alguém no Rio falou ser insuperável o mestre Jorge Alberto de Mello, bom que ele aceitasse, como aconteceu. Eu ia em dia e hora previamente marcado até Vila Isabel, em sua diminuta casa, e fizemos amizade forte e indestrutível até ele desaparecer. Ele era professor do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, em São Cristovão, Rio de Janeiro, pelo qual ele tinha carinho especial. Eu tinha quinze anos e ele me convidou para conhecer o Museu, lá fomos de bondes (era mais de um), levou mais de uma hora, chegamos. Então ele explicou que o Museu, afora  já ter fama internacional, era vítima da falta de verbas e do descaso das autoridades – ministérios e governantes em geral. Fui com ele duas vezes nessa demorada expedição, gratificado pelo que ele teve a paciência de me mostrar, que era para mim, proveniente do excelente Regente Feijó, uma tremenda revelação.

Segundo conta Roberto da Matta, em seu perfeito artigo intitulado “A Morte de um Museu”, houve desde então, nesses oitenta anos, quem se interessasse, daí o Museu sofreu uma evolução, por causa de seus diretores e funcionários, a despeito de ter sido sempre desprezado por sua entidade mantenedora, que é até hoje a partidária-política Universidade Federal do Rio de Janeiro, cujos chefetes se gabam de ser da esquerda festiva, engajados e atuantes em suas políticas primárias e desagregadoras.

Houve uma silenciosa evolução, a qual surpreenderia o Jorge Alberto de Mello, que se devia unicamente às gestões internas do Museu, que evidentemente ficou de mãos atadas. Conta Roberto da Matta, que foi ali durante trinta anos seu fiel professor de Antropologia, que, lembrando seus mestres: ”O que sentiriam esses fundadores ao ver a catástrofe anunciada pelo total descaso de múltiplos governos, partidos, posicionamentos e hipocrisia tão nacionais, tão isentas ao perigo de incêndio? O que diriam eles que, seja como pesquisadores, estudantes, professores e administradores como, aliás, desprezaram sua honestidade intelectual para privilegiar suas preferências ideológicas e partidárias? Essa malvada dialética do ser isso ou aquilo vai suicidando o Brasil”.

Um prognóstico trágico, que se ombreia com os dois editoriais do O Estado de São Paulo, entre outros artigos de Fernando Gabeira, de José Neumanne, este último resultante de sua indignação furiosa, como de qualquer intelectual verdadeiro que se preza, dizendo: “…o que se assistiu foi ao assassinato sem piedade de milhares de anos da história do país e da humanidade pelas castas que dilapidam há séculos o patrimônio público.”

Chega! Não vamos nos estender com mais vocábulos condenatórios daquilo que disse Roberto da Matta: “Instituição foi vítima do descaso, irmão da nossa aliança com a ignorância e o oportunismo”.

O atual diretor conclamou “precisamos de ajuda ou fechamos de vez”. É isso que dá em qualquer aventura séria no ramo geral da cultura no Brasil. As Secretarias de Cultura são geralmente dirigidas por alguns que pensam que cultura é entretenimento, por isso o financiamento, ou o dinheiro não vai para museus e quando sejam à cultura destinados, dão um jeito de reverter para situações até constrangedoras. Será agora, com essa brutal destruição (as águas possíveis eram brutalmente escassas, como vimos malogradamente na televisão). Tudo o que vier a ser feito por essas políticas partidárias em favor ou em ajuda dessa morte anunciada será uma grande surpresa. A experiência no setor, por mais fraca que seja, mostra que as autoridades superiores vão esperar o esquecimento para depois mandarem uns caraminguás e se dizerem emocionados com tal hipocrisia.

  • Autor: Acadêmico Eduardo Rocha Virmond
  • Foto: Bebel Ritzmann