Não tenho o hábito de visitar cemitérios. Mas, vez ou outra, vou à solta, para cumprir uma obrigação familiar ou atraído por algo de especial curiosidade. Na verdade, sou daqueles que aceitam a morte com ânimo meio definitivo. Porém, leio necrológios com certa regularidade. Digo que não é para procurar mortos, mas para confirmar se meus amigos continuam ainda vivos.

Sei que há, entretanto, quem se recuse a ler obituários; coisa que atribuo à displicência da pouca idade. Com o tempo eles vão chegar lá… Confesso ainda, que apesar da linguagem sumária e da admirável sobrevida de alguns dos nossos finados, procuro tirar dessas tantas notas fúnebres uma maior compreensão da vida e, mais do que tudo, certa resignação diante da fragilidade do destino humano.

Mas, ao conferir esse antigo álbum romano, vejo que, no fim da vida, somos todos restituídos à condição da igualdade inicial.  Os pobres e os velhos vão à testa dos números. Há, porém, lamentáveis perdas jovens ou daqueles outros que ainda ostentavam aparente vigor de vida. Porém, nada me comove mais quando leio que o finado é um ancião de duradouros 80 anos, mas morreu na condição de mero vigilante noturno; outro da mesma idade, deu por cumprida a sua tarefa neste mundo como auxiliar de serviços gerais ou um humilde porteiro. Que fez ele da vida?

Mas, os ricos não figuram no rol comum.  Têm espaço nobre. São ímpares: não têm parceria. Ocupam um quadro à parte com molduras e motivos floridos ou colunas gregas; e deles compartilha toda a família, com igual comoção e sentimento grupal. Trazem até versos, como as elegias dos antigos epitáfios gregos. Os pobres compõem folha corrida, e, à moda de Roma antiga, só trazem o registro do nome e notícia do enterro. Mesmo diante do peso da terra, ainda assim os lapicidas romanos simplificaram o clássico sit tibi terra Levis reduzindo-o a quatro simples iniciais: STTL. Talvez na esperança de diminuir o tamanho da cova…

Por sua vez, os cemitérios continuam a ser como dantes: apesar do arvoredo mais denso, flores e a rica ostentação de arte cemiterial que possam exibir, são sempre um espaço vazio e sombrio, onde vejo circular o pessoal da conservação, e, de tempo e tempo, um préstito funerário segue em marcha silenciosa em direção da última morada de quem se despede da vida.

Apesar disso, no entanto, os cemitérios são hoje importantes centros de exploração turística. Há cemitérios famosos, como o de Père Lachaise em, Paris, onde repousam os corpos de La Fontaine, Bizet, Augusto Comte, Allan Kardec e de dezenas de outras tantas eminências da vida cultural e artística da França. Père Lachaise recebe dois milhões de visitantes por ano e mantém um serviço regular da visita guiada. E tem também Montparnasse, igualmente famoso, guarda os restos de Baudelaire, Stendhal, Robespierre, Sartre, até Guy de Maupassant e centenas de outros. Karl Marx e Herbert Spenser estão sepultados no Highgate, de Londres e conta o povo que desde que o espião russo Alexandre Litvinenko foi descoberto e morto envenenado, o lugar ficou mal assombrado. Em Buenos Aires tem La Recoleta e Chacarita. Esse último é o maior da América do Sul, e nele repousa Carlos Gardel. Peron e Evita estão enfim separados: ela na Recoleta e ele no Chacarita.

Mas, se vou aos cemitérios não resisto ao gosto e conferir epitáfios, para colher o sentimento humano diante da morte. Rio e estremeço diante do que dizem. Consta que são os provérbios, os adágios, refrões e epigramas os que dão a verdadeira prova da força e expressão da língua… Leio e reproduzo das lousas fúnebres ou de alguma antologia:

“Aqui embaixo Antonio repousa

porque jamais fez na vida outra coisa”

 

“Aqui repousa quem é igual a Alexandre,

Eu mesmo, mas num pouco de cinza”

E, alfinetando nossos solenes acadêmicos, copiei:

“Aqui jaz Piro, que não foi ninguém

Nem mesmo acadêmico.”

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: Ju-dit por Pixabay