Há uma tendência imprópria a atribuir ao espírito a ocorrência de coisas ruins, em função da existência de espíritos malignos (Leonardo Boff, O Espírito Santo, Ed. Vozes, RJ, 2013, p.77). Não obstante, é oportuno realçar que o mal não é ontologicamente substancial, e como ausência do bem, é resultado de uma atitude maniqueísta de nossa experiência consciente, que atribui realidade a algo que é apenas a contraposição de aspectos dialéticos.

Pois, nos fundamentos do Universo, os cientistas encontram um dualismo aparentemente antagonista, forças positivas e negativas a se chocarem para produzir a luz. Podemos observar isso a cada momento nos raios do céu, por ocasião das tempestades. Eles também constataram que as pequenas partículas giram ora pela direita, ora pela esquerda, alterando assim os seus efeitos combinatórios.

Como consequência, esses fatos dão origem, no macrocosmo, ao surgimento de todas as alternativas funcionais que encontramos, desde a diferença entre os sexos até as distinções entre o sim e o não ou entre o bem e o mal. O seu alcance é amplo e domina todas as manifestações, sejam físicas ou culturais, como podemos constatar em todas as manifestações que ocorrem. Assim, o dualismo entre a vida e a morte é apenas uma condição de nosso corpo físico, limitado ao tempo.

Ora, uma análise mais profunda dessa situação poderia nos conduzir a considerar o mal como anfibológico e de aspectos mutuamente dependentes, pois no princípio há apenas o Uno, que para criar gera fora de si o Duo ou as formas alternativas de tudo que é criado. Ora, esse Dois nos aparece ora como uma negação do Um, ou apenas o seu complemento, dependendo do feitio de nossas considerações, positivas ou negativas.

É dessa forma que podemos considerar tudo o que nos limita como sendo condição natural de seres contingentes, uma coisa contraditória opondo-se à existência de outra. Contudo, sem os limites do tempo não haveria mudança, sem nossa morte não haveria a sucessão das gerações, sem os males não haveria a plenitude do bem, sem a pobreza de muitos não haveria riqueza de poucos, sem os vícios não haveria virtudes etc.

Importa, pois, que tenhamos uma consideração transcendente às limitações que nos são impostas pela condição de seres criados, cabendo a nós sermos humildes com relação a tudo que nos limita, o que em termos teológicos é chamado kenosis, ou os sofrimentos impostos ao Filho por ter assumido a condição terrena. Esta apreciação em termos divinos é a única forma aceitável que temos para tentar compreender os limites que são inerentes a tudo que é criado.

Plotino, um pensador místico de século III de nossa era, foi o primeiro a perceber que o Uno é o princípio universal de todas as coisas, considerando toda divisão como uma manifestação contextual da realidade. Dessa forma, todos os dualismos caem por terra, sendo ilusórios em sua essência. A consideração pela plenitude do ato criador passa, dessa forma, pela minimização de todas as suas limitações, quando passamos a considerar que os males que nos afligem são apenas os limites naturais das criaturas.

  • Autor: acadêmico Antonio Celso Mendes
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: Iván Tamás por Pixabay