O Vêneto é uma das vinte regiões em que se divide a Itália e está situado na parte setentrional do país, chamada continental. Conforme registros estatísticos, foi dessa região, ao lado da Calábria, que saíram os maiores contingentes de emigrantes italianos, a partir da década de 1880, num volume total que alcança a estimativa de 27 milhões de indivíduos, razão de hoje existir mais de 60 milhões de oriundi espalhados por todos os continentes do nosso planeta, incluídas as áreas mais remotas.

A evasão desse imenso manancial humano constitui um dos capítulos mais emocionantes, senão heroicos do povo italiano, caracterizando uma verdadeira diáspora, pois despovoou campos e cidades, com a expatriação de famílias inteiras, tangidas pela miséria, à falta de trabalho e levados pela esperança de poderem reconstruir a vida em terras mais promissoras.

Sabe-se, porém, que antes de acalentarem o sonho americano os italianos se dispersaram pela própria Europa, à procura de trabalho na França, Suíça, Bélgica e outros países mais próximos, disputando os trabalhos mais penosos e os salários mais vis. Assim, passaram a ser vistos em grande número nas minas, nas fábricas e terras de barbecho, construções de galerias, saneamento de paludes, e, enfim, em toda sorte de trabalho dos mais rudes e de menor retribuição.

E, em razão disso pagaram pesado tributo à saúde, expondo-se às doenças e aos maiores riscos. É compreensível que a história desse tempo mostrasse pouco interesse nas lembranças desse lado obscuro do trabalhador, por seu caráter marginal e por estar confiado a estrangeiros, em grande parte clandestinos. No entanto, alguns registros sobreviveram, como o da silicose contraída nas bacias carboníferas e, num quadro ainda mais dramático, a tragédia que ceifou a vida de 220 trabalhadores italianos nas minas de Marcinel, na Bélgica.

Outros dados informam que, em 1889, havia na França cerca de 300 mil italianos, constituindo o maior contingente de trabalhadores estrangeiros do país. Viviam à parte, porém, desprezados pelos nacionais, em razão de seus costumes e da língua, que, sobretudo, soava como uma algaravia aos ouvidos dos franceses. Mas, o que contava, é que essa gente estranha competia por qualquer trabalho e remuneração, frustrando muitas das reivindicações sociais e salariais de seus colegas naturais do país. Foi a esse tempo, portanto, que ganhou força a esperança americana, e, com ela o Brasil, dando vida e coragem a essa massa lavoratrice para romper com suas raízes e andare in Merica per tentare um domani migliore.

Porém, desses fluxos humanos, queremos separar uma única rota, sem retorno: a que ligou a região do Vêneto à nossa legendária Lapa, em 1889, trazendo no seu bojo 32 famílias que vão ser colonos em áreas reservadas pelo governo estadual, nas cercanias da cidade. Esse modesto capítulo da saga emigratória é contado por Riccardo Masini no seu “Par catar La Radise”, no dialeto vêneto, publicado na Itália. Desses imigrantes, 26 constituíam famílias do Vêneto (10 de Ospedaletto) e as restantes de Florença, que vão servir de matrizes de famílias tradicionais do nosso Estado, muitos com grande destaque pessoal, como os Cavallin, Baggio, Sera, Gemin, Bortoletto, Vidal, Ton, Borsato, Caos e outros.

Masini é autodidata, homem de imprensa e televisão, além de deter a vice-presidência da sociedade Trevisiani nel Mondo, e, a par disso, tem empreendido um amplo e permanente trabalho de pesquisa para trazer à luz as raízes mais longínquas da migração da gente veneta. E foi assim que chegou à Lapa, à cata dos descendentes da Colônia São Carlo e das Pedras doadas aos imigrantes italianos, e que outrora foram propriedade do sábio prussiano Frederico Virmond, que viveu quase 50 anos na antiga Vila Nova do Príncipe.

Aqui ampliou e enriqueceu sua pesquisa, de molde a oferecer à leitura um livro que, a despeito de se ressentir da falta de certa organicidade, propicia o conhecimento de um painel bem representativo desse pugilo de heroicos pioneiros que, provindos de Treviso, Istrana, Ospedaleto e outras comunidades do Vêneto e vizinhas delas, trouxeram com eles um rico legado, correspondente a uma experiência cultural mais ampla, como contribuição à construção deste país. Uma segunda pátria para eles, mas a mãe-pátria para seus descendentes.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: Gianni Crestani por Pixabay