Durante o Império um simples “viva a República” levava o eleitor à cadeia a golpes de chanfalho. Louvar a república era crime pela Constituição Imperial (art. 179, § 4.º) e pela Lei de Imprensa de 1830. Mesmo assim, o intrépido e ardoroso Correia Defreitas não recusou o pedido de Quintino Bocaiúva, de levar sua fé republicana às cidades de S. Paulo, Minas e Rio de Janeiro. Anunciada, porém, sua conferência em Friburgo, Defreitas foi advertido pela polícia da proibição, em cumprimento de ordem do gabinete Ouro Preto. Ora, nem mesmo assim recuou o jovem parnanguara e a manifestação republicana foi proferida no Hotel do Comércio, e terminou com palmas e vivas à República. Diz-se que a conferência se tornou celebre, porque foi a última da propaganda, e 27 dias depois a República foi proclamada.

A ideia de república teve diferentes modelos, como o de Maquiavel e das cidades-estados da Itália medieval, que se autodenominavam repúblicas, sob qualquer forma de governo; ou, o francês do ideário de Rousseau, incluindo o federativo da América do Norte, reservada à soberania ao povo e o governo à sua representação indireta e temporária.

Mesmo sob contenção, o evangelho republicano se insinuava na imprensa da corte e era transcrito em periódicos das províncias, para demonstrar que o reinado, além de constituir verdadeira anomalia na América, consagrava privilégios em favor de uma elite incapaz que mantinha o sufrágio político restrito às condições de capacidade e renda.

A pregação republicana, embora em mãos de poucos, exprobrava o poder moderador e o caráter vitalício do Senado.  Lançava ao escárnio os rituais palacianos do beija-mão e das concessões gratuitas de títulos de nobreza, multiplicados só para fortalecer o poder central. Criticava a nomeação de presidentes das províncias, meros pimpolhos estranhos aos problemas locais.

Era o grosso do repertório republicano, em mãos de uns tantos bacharéis novatos ou cadetes de Benjamim Constant, porque o Partido Republicano até então só conseguira eleger dois deputados nas últimas eleições e a opinião pública se mantinha arredia às promessas republicanas.

Com a divulgação do Manifesto Republicano de Itú, em 1870 e a fundação do Partido Republicano Paulista (1873), o tema ganhou maior alento e se difundiu pelas províncias, sobretudo no centro-sul. Aqui a bandeira era do modelo federativo.

O Paraná era então um centro acanhado de vida política, representado por uns poucos republicanos da capital e outro tanto em Paranaguá. Em 1885 foi fundado o Clube Republicano de Curitiba, e, em 1887, o de Paranaguá. O presidente Zacarias trouxe o “Dezenove de Dezembro”, como periódico oficial. Em 1876 Curitiba edita a “Província do Paraná” e a “Gazeta Paranaense”, ambos da linha conservadora. Mas a voz republicana de Curitiba foi “A República”, publicada em 1886, como órgão do Clube Republicano, com o propósito de propagar o ideal antimonarquista.

Contudo, o primeiro periódico paranaense realmente republicano foi o “Livre Paraná”, de Paranaguá, de 1883, de Fernando Simas (pai de Hugo Simas), associado a Guilherme Leite. A folha saía a cada semana, estampada numa pequena oficina e num velho prelo movido à mão, fazendo proselitismo e dando notícias do movimento nacional, em boletins distribuídos pela cidade.

Tinha folha aberta aos correligionários e à colaboração de Joaquim Soares Gomes, Albino Silva e o jovem Nestor Victor. O tratamento era crítico e vigoroso, abordando a política nacional e o predomínio das dinastias locais. O alvo era o Visconde de Nácar, importante político paranaense e ferrenho monarquista, mas incluía também Manuel Eufrásio e Leocádio Correia. Porém, o preço desses desafios acabou por levar Fernando Simas a deixar o jornal, sua farmácia e a própria cidade, mudando-se para Petrópolis, onde, para surpresa, acabou eleito Deputado Constituinte do Paraná, participando da elaboração da Constituição Republicana de 91.

Outro combatente republicano foi Albino José da Silva, que em Curitiba integrava o grupo da liderança militante e colaborava nas páginas do “A República”, participando das conferências do Clube Republicano. Passando a residir em Paranaguá fundou o “Pátria Livre”, que tirava com dificuldade na oficina de sua casa, com ajuda dos filhos. Era livre-pensador e, com essa convicção, sustentou polêmica de repercussão, com o padre Marcelo Anunziata, pároco local.

De todos, porém, o mais ardoroso republicano foi Manoel Correa de Freitas, filho de Paranaguá, nascido num sítio da barra do rio Emboguassu. Cognominado “Republicano Histórico”, propagou seu ideário pela imprensa local e de Curitiba (“Livre Paraná” e “A República”) e passou a participar de meetings e a proferir conferências em Curitiba e pelo país, incorporando-se ao grupo paulista de Américo Brasiliense e Prudente de Morais, de quem se fez íntimo amigo. A convite de Campos Sales e Francisco Glicério pronunciou em Campinas diversas conferências públicas. Após um período de ausência voltou a sua terra natal para agitar seus ideais republicanos, que ainda levou em pregação a Santa Catarina.

Proclamada a República foi convidado por Benjamim Constant e Aristides Lobo para assumir o governo do Paraná. Igual convite lhe fez Floriano Peixoto, mas recusou a ambos.

Foi ele que idealizou a bandeira paranaense e suas cores, desfraldando nosso pavilhão em manifestação pública no Passeio Público.

Confirmam todos que Defreitas (uniu o sobrenome para afastar a hipótese de origem nobre), compunha uma família de fartos recursos e desempenhava uma atividade de convívio popular e disputa de poder; admira, portanto, tenha adotado vida de voluntário ostracismo, pobreza e desprovida de ambição.

Na verdade não escreveu livro, nem deixou memória. Dele só sobrevive um opúsculo de Nascimento Júnior.

Ao fim, o movimento republicano de Paranaguá reuniu outros em sua arregimentação; todos jovens, ou quase, como Rocha Pombo, Nestor Victor, Guilherme José Leite, Júlio Cesar Fernandes Peixoto, José Ferreira de Campos e tantos mais, que não cabem aqui.

Mas, ao cabo de tudo, o que se diz do movimento é sua preeminência em relação a Curitiba, resultado dos bafejos do porto, por aonde as novidades correm mais cedo e mais fácil. Faltou-lhe, porém, maior conteúdo ideológico e capital político para ganhar projeção além das suas fronteiras. Reduziu-se a uma disputa mais de hegemonia local, intraelite, voltada a promover os interesses de grupos. Entretanto, representou importante momento histórico do Paraná, por se dispor a se integrar à nacionalidade e ao sentimento comum de suas reivindicações e ideais mais nobres.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo