Você sabe o que foi a Revolta do Vintém ou Revolta dos Comerciantes, em Curitiba de 1883? Vintém foi uma antiga moeda portuguesa, de cobre ou bronze, representando a vigésima parte do cruzado de ouro, ou vinte réis. A revolta foi um episódio tido como de pilhagem e vandalismo, que, de princípio, parece contrariar o perfil tradicional do paranaense, visto por muitos como cidadão pacato e conciliador, típico do modelo do Vêneto reconstituído por Emílio Franzina, professor da Universidade de Verona, ou daquela figura cordial que Sérgio Buarque de Holanda prefigurou do brasileiro em geral.

O episódio teve início em março de 1883, pouco depois da chegada do Dr. Carlos Augusto de Carvalho, jurista carioca de 31 anos, para assumir a presidência do Paraná. Ele já estivera aqui antes, como delegado de polícia, mas agora voltava sozinho, separado da prima e esposa, por incompatibilidades comuns. Voltaria a se casar, tempos depois, mas já não podia legitimar esta nova aliança porque nesse tempo não havia divórcio.

Sua administração durou pouco mais de um ano e meio, mas, embora esse episódio até pareça desmerecer as boas lembranças de nossas tradições históricas, na verdade, Carlos de Carvalho deixou uma bela memória de gratidão e reconhecimento entre nós, por seu alto desempenho mais tarde, como advogado do Paraná, na defesa do nosso patrimônio territorial e herança histórica, no julgamento final da disputa da divisa com Santa Catarina, no Supremo Tribunal Federal, surpreendido pela morte por ocasião do julgamento final da causa, especialmente na entrega da sua sustentação final, cujo arrazoado, de sua autoria, vai servir aos fundamentos da própria decisão, mas só pode ser oferecido por mãos e representação do seu próprio auxiliar, Dr. Manoel Rodrigues.

A criação do imposto de 1,5% sobre as rendas e patentes do comércio da província impunha altas multas, até para os que se recusassem a “mostrar seus livros”. Foi iniciativa que o novo presidente adotou ao se inteirar das dificuldades financeiras da província, que revelavam uma receita bastante inferior à previsão do orçamento. Levada a proposta à Assembleia, o imposto foi regulamentado e passou a vigorar a partir de 24/02/1883.

Ocorre, porém, que o comércio logo reagiu à cobrança e pôs à rua cerca de 500 ou 600 manifestantes, com apoio da imprensa e de panfletos de protesto, formando comissão e prometendo fechar as portas, sob as lideranças de Firmino Baptista do Nascimento e do advogado Sérgio Francisco de Souza Castro, feito intérprete das suas reivindicações.

A essa altura, porém, se tentou promover a reconciliação do governo e os insurretos, mediante a realização de uma reunião no Salão Lindermann, da Rua São Francisco, no centro da cidade, com a presença estimada de cerca de mil pessoas, seus líderes e o próprio presidente, servindo de mediador o líder conservador Manoel Eufrásio Correia. A reunião durou seis horas, porém não chegou a nenhum resultado e ao seu anúncio final parte do povo se dispersou, mas outros tantos passaram a promover quebra-quebra dentro do próprio estabelecimento e depois formaram bandos que ganharam as ruas, em manifestações de protesto e resistência à lei, fazendo desordens e apedrejando edifícios públicos, monumentos e casas particulares. Foram alvos dos rebelados a casa do líder liberal Dr. Generoso Marques dos Santos e seu sogro coronel Benedito Enéas de Paula, do deputado Dr. José Lourenço de Sá Ribas e o prédio da própria tesouraria do governo.

Carlos de Carvalho era homem de temperamento ativo, metódico mas decidido e então despachou contra os rebelados o 3.º Regimento de Artilharia e o 2.º Grupo de Cavalaria, além da própria polícia, de cujo confronto resultaram diversas prisões e pessoas feridas, além da morte de um jovem identificado como H. Herdermann, de 19 anos, gerando até conflito diplomático com o governo alemão, pela prisão e ferimentos em dez dos seus súditos. As ocorrências ganharam nível nacional e serviram até de manifestação pessoal do próprio imperador D. Pedro II em solenidade oficial.

Ocorre que toda essa turbulência teve sérios reflexos na vida política da província, comprometendo a estabilidade do governo, pela perda de seu apoio público e o do seu próprio partido, levando a presidência a entregar o governo em maio seguinte a seu vice, Antônio Alves de Araújo (o comendador Araújo), tendo Carlos da Carvalho deixado a província.

O imposto foi então revisto, em assembleia legislativa extraordinária da província, acusados de sedição os líderes do movimento, embora sem resultarem presos devido a interposição da habeas corpus.

Assumindo o governo o vice-presidente, habilidoso comerciante, convocou a assembleia legislativa extraordinária provincial para os dias próximos, de 8 a 21 de julho, para proceder ao exame das providências a serem tomadas em relação ao estado financeiro da província e a promoção de atividades destinadas a rever a pendência dos comerciantes, com a adoção de novas posturas municipais e alterações do orçamento provincial do ano, visando o corte de gastos e a revisão do imposto comercial.

Com seu afastamento do governo, Carlos de Carvalho voltou ao Rio de Janeiro e à sua atividade de advogado e jurista, instalando uma das bancas de maior prestígio na capital, que o levou a ser nomeado, já na República, ministro do Exterior de Floriano Peixoto. Presença que durou 17 dias, pois logo se irritou com os excessos do marechal. Voltou, no entanto, a compor o ministério, reconduzido por Prudente de Morais, quando ganhou destaque na disputa da ilha da Trindade com a Inglaterra. O embate se travou na via diplomática, em alto nível e com particular firmeza e habilidade, recusando até o arbitramento, para enfim consolidar o domínio do Brasil sobre sua herança portuguesa. Hoje, a sala Itamarati, da casa de Rio Branco, tem seu nome e seu busto em bronze. Sua memória é preservada em nossa história, entre outros reconhecimentos, pela adoção do seu nome numa das principais vias de nossa cidade e na denominação do Viaduto do Carvalho, que oferece uma das mais amplas e deslumbrantes paisagens do nosso litoral, no trajeto da ferrovia Curitiba-Paranaguá.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor