Todos sabemos que a Natureza é indiferente aos males sofridos por todos os seres vivos, o que remete diretamente a nosso espírito a conscientização de sofrê-los. Não obstante, nosso espírito reluta em aceitá-los, não se conformando com a sua recorrência permanente, o que demanda um apelo às suas origens transcendentes como as únicas formas possíveis de justificá-los, pois para a natureza física, eles nada representam.

Em complemento, os filósofos têm-se preocupado, desde eras primevas, com a ocorrência do mal e do sofrimento no mundo, não conseguindo encontrar uma resposta que dê uma justificação convincente a nosso espírito. Assim, verifica-se que ela só pode ser encontrada no nível transcendente de nossa espiritualidade, que através de um salto simbólico, procura alcançar uma explicação abrangente que possa compreender como o Criador, sendo perfeito, permite a ocorrência de tantos males em seu Universo.

Dessa forma, seria conveniente proceder a uma pesquisa histórica entre grandes pensadores para a elucidação melhor do problema. Assim, constatamos que teólogos bizantinos, a partir da crença na Santíssima Trindade, procuraram entender como o Pai impõe limites ao seu próprio arbítrio, em amor e respeito pela autonomia do Filho, tendo o Espírito Santo como mantenedor da conciliação e do amor entre eles.

Ora, amar significa renunciar ao domínio soberano, pois se o Pai ama o Filho, dá ao mesmo um futuro de glória, assim como o amor do Filho é recíproco, por sua afeição voluntária ao Pai, como Cristo nos revelou.  O mesmo ocorre com o Espírito Santo, o laço de união que consagra o amor compartilhado. Assim a Trindade repete, no ato contínuo da criação, os limites que a si mesma impõe, um decaimento ou habitação no universo criado, com a finalidade de permitir que os seres humanos desenvolvam suas atividades com liberdade na forma de atingir o bem, como expressa o termo hebraico shekinah.

Portanto, a consideração de nossos males como limitações transcendentes inerentes à própria natureza da Trindade Divina deve causar em nós uma forma diferente de considerá-los, como oportunidades benfazejas de imitação ao que ocorre no mundo superior, como uma graça espontânea vivida com naturalidade, como ocorre entre santos e iniciados. Dessa forma, os primeiros cristãos souberam morrer imitando o Cristo; São Francisco assemelha-se a  Cristo em suas chagas, Sto. Agostinho considerou o mal de forma negativa, apenas como uma ausência do bem, e finalmente, Cristo, que aceitou voluntariamente a sua morte como forma de cumprimento à vontade do Pai, um decaimento ou kenosis produzida ao ter assumido a condição humana (São Paulo, carta aos Fil  2,5-11).

Dessa forma, aceitar nossos sofrimentos de uma forma não natural, com desprendimento e humildade, é uma atitude de elevado estoicismo, por ser semelhante ao heroísmo reservado a poucos iluminados. Sem dúvida que isto está na contramão de tudo o que faz a modernidade, que politicamente só vê o lado material das coisas, por pobreza de espírito e acendrada falta de compreensão dos valores morais, acrescida por uma cultura que só pensa em proveitos e egoísmos excludentes. É claro que a modificação disso soa como uma revolução na forma de compreendermos o que é viver, uma gratuidade que nos foi concedida e cujas deficiências temos que superar, aceitando o mal de forma desprendida (sic)!

  • Autor: Acadêmico Antonio Celso Mendes
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