Quando ouvi pela primeira vez não atinei com a essência da coisa:

– Córnio, a bola saiu pra córnio.

Em seguida me dei conta de que a palavra inglesa “corner”, que no Brasil foi aportuguesada para “escanteio”, tinha ganho em Curitiba uma “tradução” inusitada. Córnio nada tinha a ver com caprinos ou traições conjugais, por favor.

Algo semelhante se dava com a palavra “treino”, aqui adaptada para “trene”.

– Vamos assistir o “trene” do Ferroviário (ou do Coritiba, do Atlético, do Juventus).

O dialeto trazia também outras pepitas. Se, por exemplo, um goleiro defendesse uma bola em lance de sorte ou reflexo, dizia-se que havia feito a defesa “na gata”. Não por acaso, diversos goleiros no futebol brasileiro tiveram apelidos relativos a felinos: Mão de Onça, Pantera, Gato.

Defesas dessa complexidade eram qualidades dos goleiros ditos “rabudos”, capazes de pegar bolas pelo rabo. Oi, bola tem rabo? Pois no futebol de antigamente tinha. Castilho, do Fluminense, que esteve em quatro Copas do Mundo, foi o maior exemplo nacional de goleiro rabudo.

Torcia-se contra ou a favor, porém em Curitiba sempre fazendo “fidusca”. O vernáculo não conhece a expressão, que significava rogar praga contra os adversários. Se um sujeito mais forte sonhasse que você havia feito fidusca contra ele, pobre de você. Tomaria sem perdão uma nada respeitável quantidade de sopapos.

Ainda era o tempo em que o picolé curitibano era “dolé”, palavra que os tempos globais trataram de enviar para “córnio”.

Mas de todas as expressões desta terra que, como se suspeita, foi inventada pelo dedo do cacique Tindiquera, a mais engraçada era “roscampeio”. Dizia-se com tal neologismo o efeito que fazia a bola girar sobre si mesma e voltar, quando um craque batia de rosca, aquele malabarismo realizado com o uso dos três dedos externos do pé.

Há alguns dias, um velho amigo tentou me empulhar com uma lenda, segundo a qual a expressão teve origem com a turma do Café Ouro Verde, nos anos 50. Ao passearem a pé pela Rua XV, a partir da Boca Maldita, faziam a volta em frente à Casa Roskamp, loja que vendia artigos esportivos, localizada já no quarteirão entre a Barão do Rio Branco e a Presidente Faria. Ali teria surgido o termo “roscampeio”.

A versão é tão falsa quanto a possibilidade do cacique Tindiquera, lá no século XVII, ter apontado aos portugueses a esplanada em que hoje se situa a Praça Tiradentes para que Curitiba fosse erguida ao seu redor.

Se o fato tivesse acontecido, o cacique teria sugerido que ali fosse construído um bom estádio de futebol. É verdade que o futebol ainda não tinha sido inventado, mas o que é uma pequena discrepância histórica para um cacique tão poderoso?

Contra sua determinação não adiantaria fazer “fidusca”, meus amigos. Ele pegaria “na gata”, mesmo que fosse no “trene”.

 

Imagem: Pixabay

  • Autor: Acadêmico Ernani Buchmann
  • Foto: Arquivo