Os māori estiveram sozinhos na Nova Zelândia desde o século XIII. Durante o XVII e o XVIII os europeus começaram a bordejar por aqui. O primeiro deles foi o holandês de sobrenome Tasman, que batizou a Tasmânia, ilha-estado da Austrália, que fica situada na faixa do Pacífico também chamada Mar de Tasmânia. Mas no que tange à Ilha Sul, só rodearam. Quem chegou mesmo por aqui, na metade do XIX, foram os escoceses.

Chegaram para ficar. Não sei ainda como foi o confronto com os māori que estavam por aqui havia quase seiscentos anos. Quando souber, eu conto.

Entrei na Nova Zelândia, há cinco dias, pelo portal de Auckland, norte da ilha Norte. A primeira coisa que a Clara me mostrou, quando cheguei a Dunedin, sul da ilha Sul, foi a exposição māori no Otago Museum. Meu sentimento inaugural, portanto,  foi a fascinação pela preservação obstinada da cultura e idioma ancestrais.

Na sequência, no fim de semana, eu começaria a enxergar um outro lado de Dunedin: a igualmente onipresente presença escocesa. Soube, por exemplo, que o nome da cidade é um diminutivo de Edimburgo. E que tem um tartã único pra chamar de seu. Não, eu tampouco sabia o que é tartã – é cada um dos padrões do xadrez escocês, com uma escolha de cores e intersecções peculiar e simbólica para cada clã.

Há – nessa história māori + escocesa – uma superposição linguística que está me inquietando a ponto de, somada ao fuso de 15 horas, me atrapalhar o sono. Quem me conhece, sabe o quão dodói eu posso ser com assuntos dessa natureza. Vamos a ele, pois.

Um dos primeiros scottish guys que aqui chegaram traçou um octógono em torno do qual a cidade começou a ser erigida. É The Octagon, marco zero da cidade, a praça principal, onde tudo acontece. .

Dunedin, com 130 mil pessoas que habitam casas que se espalham morro acima, morro abaixo  – lindinhas e térreas,  não há absolutamente edifícios – é a segunda maior cidade da ilha Sul e “capital” da região de Otago, que já foi distrito da Nova Zelândia num tempo em que o país era dividido em distritos.

Pois bem. Faz muito sentido uma província chamada Otago ter em sua principal cidade uma praça central chamada The Octagon. Certo?

Errado, pelo que pude saber até agora. The Octagon é o nome do poliedro de oito lados no qual o escocês inventador de moda se inspirou para projetar a praça. E Otago é uma palavra māori que sinifica “vilarejo distante” ou “lugar de terra vermelha” (vejam vocês onde vieram parar nossos pés, Nilson Monteiro e Marco Cremasco).                  Coincidência ou um refinado senso de humor linguístico de Sir Kettle, o tal irlandês, vai saber.

Neste ano em que viveu aqui, a Clara nunca viu alguém se ocupar com isto. Eu estou virada no capiroto com essa questão, e não tenho como levar adiante a minha dúvida,  já que compreender o inglês que se fala aqui “né mole não”.   Vai demorar, se é que vai chegar, o momento de me sentir autônoma para um diálogo que extrapole muito o “náicetumítiú” e o “siúlêiter”.

Aliás, ontem, enquanto fazia o Whriters’ Walk – em volta de The Octagon, of course – pensei que gostaria de estar viajando com Luci Collin ou Caetano Galindo, esses caras que tanto sabem das mumunhas do inglês extra book. Para melhor conseguir traduzir esta cidade que, além dos letreiros orgulhosos em māori e das metáforas ou coincidências em torno de poliedros, ainda gira em torno da estátua do poeta escocês Robert Burns (1759-1796) e tem um trajeto todo feito de poesia, pelo qual foi designada City of Literature pela Unesco.

Olha pra onde a vida me trouxe. Eita, mundo velho sem porteira!

Foto: Clara Souza
  • Autor: Acadêmica Etel Frota
  • Foto: Arquivo