Entre um refrigerante e um copo bem tirado de chope, qual dos dois seria uma das invenções mais estúpidas da humanidade? Para o escritor britânico Eric Chaline, autor de “As piores invenções da história – e os culpados por elas”, o refrigerante está na lista das 50 coisas que podem ser consideradas “as piores invenções” em diferentes sentidos.

Para nosso desconforto, por não servirem para nada, a não ser nos envaidecerem ou nos fazerem de bobos – como os remédios milagrosos -, ou por terem sido originalmente projetadas para servirem aos piores propósitos mesmo – como as armas biológicas, químicas e a bomba atômica-, alguns exemplos do rol da estupidez: o plástico; o karaokê; o carro voador; a crinolina (espécie de saia-balão de grande diâmetro que se tornou popular entre as mulheres do século 19); o salto alto; a pena de morte; e, para citar uma vaidade que já ultrapassou os limites do bizarro, as tatuagens dos jogadores de futebol.

Na pandemia de 1918, quando a gripe espanhola quase dizimou a humanidade, Albert Camus escreveu: “O que é verdadeiro sobre todos os males do mundo também é verdadeiro em relação à peste. Ajuda os homens a se superar.” Por sua vez, o escritor John M. Barry acrescentou: “Mas, como sabia Camus, o mal e as crises não fazem com que todos homens se superem. A crise faz apenas com que se descubram. E alguns descobrem uma humanidade menos do que inspiradora”.

Barry conta que, pelo mundo afora, centenas de milhões não se consultaram com médicos ou enfermeiras, e experimentavam todo tipo de medicina popular ou remédio fraudulento disponível ou imaginável: “Bolas de cânfora com alho foram penduradas no pescoço das pessoas. Outros gargarejavam com desinfetantes, deixavam o ar gelado varrer suas casas ou fechavam bem as janelas e superaqueciam os cômodos. Anúncios enchiam os jornais, às vezes compostos na mesma letra das notícias — dificultando a distinção — ou em letras enormes que tomavam a página. A única coisa que compartilhavam: todos declaravam com confiança que havia um modo de deter a gripe, que havia um modo de sobreviver”.

Uma verdade não mudou desde o tempo de Hipócrates até hoje – lembra John M. Barry: “Quando confrontados com pacientes desesperados, os médicos em geral não conseguem ficar sem fazer nada. E, assim, um médico, tão desesperado quanto o paciente, pode tentar qualquer coisa, incluindo aquelas que sabe que não funcionarão, contanto que não causem danos. No mínimo, o paciente terá algum consolo.”

Em 1918 a “cloroquina” já servia de consolo nos EUA, como conta John Barry: “Os médicos injetaram a vacina contra febre tifoide nos pacientes pensando – ou esperando – que ela poderia, de algum modo, reforçar o sistema imunológico de modo geral, embora a especificidade da resposta imune fosse bem compreendida. Alguns afirmavam que funcionava. Outros aplicavam todas as vacinas conhecidas, seguindo a mesma teoria. O quinino funcionava em uma doença: a malária. Muitos trataram seus pacientes de gripe com quinino apenas por desespero”.

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Em 2012 o Museu de Ciências de Londres promoveu uma votação para escolher as dez maiores invenções e descobertas do século. Surpreendendo até mesmo os organizadores, venceu o raio-x, do alemão Wilhelm Conrad Röntgen; em segundo lugar ficou a penicilina, do escocês Alexander Flemming, em 1928; na terceira posição ficou a estrutura do DNA, creditada aos cientistas Francis Crick e James Watson, em 1953.

Para quem considera o refrigerante uma estupidez e tem como uma genialidade um copo bem tirado de chope, tem a história do velho Egg, de tradicional família curitibana. Naqueles tempos em que a televisão era uma das maiores modernidades do século, quando se amarrava cachorro com linguiça feita em casa, existia ao lado da Igreja da Ordem, no comecinho da Mateus Leme, o armazém do velho Egg, onde o chope era tirado com maestria artística e paciência oriental. O melhor de Curitiba, era na porta do armazém que a freguesia sentava nos caixotes de mantimentos e esperava disciplinadamente e com paciência a joia etílica do mestre Egg. Quando alguém pedia um chope “ligeirinho”, o mestre chopeiro respondia com a pressa exigida:

– Querrrendo tomar chope ligeirrrinho vai tomar lá na Rua XV! Aqui leva o tempo que precisa!

Certa vez o jornalista Rosnel Bond, que guardava no paladar os melhores chopes da cidade, perguntou ao velho Egg: “Qual foi a maior invenção do século?”. O alemão respondeu ligeirinho: “A pompa! A pompa da chopes!”.

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Como se sabe, o raio-x foi o bisavô da tomografia, da ressonância magnética e, no futuro, tataravô da máquina de ler o pensamento, detectar desejos, prever intenções, gravar pesadelos e sonhos. Só não se sabe se entre os votantes do Museu de Ciências de Londres algum discípulo do velho Egg votou na “pompa da chopes”.

O que eu sei, por enquanto, é que a vacina da Covid-19 será uma das três mais importantes descobertas do século 21.

Quando isso acontecer, gostaria de fazer um brinde ao velho Egg.

  • Autor: Acadêmico Dante Mendonça
  • Foto: redes sociais
  • Imagem: Dean Moriarty por Pixabay