Há alguns séculos, o homem vem se empenhando em identificar sua presença no mundo, desentranhando fósseis humanos em todos os continentes à procura daqueles com maior semelhança com ele e que sirvam para identificar não só seus traços comuns, mas as diferenças que nos separam. E assim surgiu o crâneo do Cro-Magnon da África, o mais antigo conhecido. O homem de Neandertal, da Europa de 230 mil anos atrás, com o crâneo mais alongado para trás e já adaptado ao frio. Veio ainda o homo pekinensis, da China, com suas ferramentas de pedra e vestígios de fogo, nosso mais antigo ancestral da Ásia.  E, entre tantos outros modelos diversos, podemos ainda incluir o nosso próprio Brasil com sua Luzia, da Lagoa Santa, a primeira das nossas brasileiras.

Porém, após tentar conhecer e procurar corrigir nossas diferenças e imperfeições pelo caminho dos ancestrais fósseis, o aristocrata inglês e antropólogo Sir Francis Galton, criou o conceito de “eugenia”, para adoção de um programa que se propunha promover a cura e a regeneração física da população e da própria estirpe,  mediante  medidas radicais que incluíam a esterilização e a própria  eutanásia.

A “nova ciência” em seguida repercutiu no mundo todo e teve em Renato Kehl seu líder no Brasil, por 40 anos, com a edição de mais de 30 livros, palestras e publicação de jornais e revistas, além de conquistar um grande número de prosélitos entre figuras eminentes da ciência e das letras do país.  Com o tempo, porém, foi esquecido e virou psicólogo, titular da cadeira n.º 13 da Academia Paulista de Psicologia.

Acolhida, no entanto, nos Estados Unidos a doutrina foi lei em 1907 e passou a vigorar em muitos de seus estados, promovendo a intervenção no “código da vida”, mediante a esterilização de milhares de unfits  (anormais) e os de “má’ estirpe, para  excluir doenças congênitas e corrigir falhas hereditárias.

E foi legitimada por decisão da Suprema Corte americana e se tornou ciência ocupando cátedras universitárias.

Foi também adotada na Suécia, na Dinamarca e ainda na Alemanha, onde assumiu caráter de política social radical e de cunho racista, movidos pelo pretexto da decadência da “raça nórdica”, provocada pela cruzamento com católicos, judeus e não arianos.

O eugenismo foi assim, uma doutrina de supremacia branca, frente a qual e por seu turno, os Estados Unidos promoveram sua “higiene racial”, mediante a esterilização e o segregacionismo. Na Alemanha, porém, essa política social se agravou durante o governo nazista e a guerra, com a prática da esterilização dos inaptos e a eutanásia em grande escala.

Quanto ao nosso Renato Kehl, porém, o Brasil não passava mesmo de uma gaiola de mestiços e sua nacionalidade só iria embranquecer quando lavada com sabão de coco ariano.

Mas, isso tudo acabou? Ora, para Monteiro Lobato, Renato Kehl não passou de um D. Quixote científico a pregar para uma legião de Panças.

Na verdade, o eugenismo enfrenta problemas éticos. O estado tem o direito de intervir na reprodução do cidadão?  A hereditariedade tem realmente papel importante na inteligência humana, mas ela também tem, por si só diferentes formas de manifestação.

Enfim, o mundo científico tem dado apoio à prática eugenista, mas com a adoção de técnicas modernas, embora, ainda assim, sua adoção se conserva como opinião minoritária.

Recentemente, porém, Joseph Henrich, professor de biologia evolutiva humana e pesquisador da Universidade de Harvard, ofereceu uma outra versão das nossas diferenças e das qualidades que nos distinguem, com o fito de justificar a superioridade  de uns e de outros,  mediante a adoção de uma sigla formada da palavra inglesa weird (esquisito), composta, porém, das iniciais de outras  cinco palavras da mesma língua, que, reunidas, servem de emblema ou galardão da superioridade de um povo. A palavra Weird vai assim composta das iniciais de ocidental (Western), educado (Educated), industrializado (Industrialized), rico (Rich) e democrático (Democratic).

O título do livro em português é “WEIRD As pessoas mais esquisitas do mundo” traduzido do original “WEIRDest people in the World”, com Weird escrito com letras maiúsculas.

Na verdade, esse emblema serve, especialmente, para representar os povos da Europa ocidental atual e seus descendentes na América do Norte e Oceania.

Seus personagens são, entretanto, gente aparentemente estranha, sobretudo para nós. Têm expressão individualista e pensamento analítico não conformista. Diz Henrich que elas trazem reminiscências da Idade Média e de suas configurações pelo Renascimento e a Reforma Protestante.

O personagem Weird, por exemplo, mantém laços sociais e políticos mais fortes, devido ao hábito da Idade Média e da antiga Igreja de adotar o casamento comum das pessoas aparentadas e das uniões entre o cônjuge e a viúva ou a irmã mais nova do falecido, fortalecendo assim os laços políticos e sociais da linhagem e do clã. Por sua vez, a intensificação do comércio de longa distância, durante o Renascimento, estimulou também as relações entre indivíduos que não guardavam entre si relações de parentesco e as guildas por sua vez não serviram apenas para reunir e formar artesãos, mas para valorizar o trabalho especializado deles. A Reforma Protestante, por sua vez, levou os fiéis à obrigação da leitura da Bíblia e à frequência dos livros, bem como convenceram-nos de que o progresso econômico é sinal de benção divina.

O livro é um grosso volume de mais de 700 páginas e representa o esforço de reunir uma grande massa de dados empíricos e documentos históricos, voltados a convencer a importância da adoção da versão “weird” das nações desenvolvidas da Europa ocidental e seus outros descendentes, e se preste também de modelo a ser adotado para que as nações menos desenvolvidas alcancem também a posição que as primeiras hoje desfrutam, superando assim suas limitações naturais e a resistência de estruturas históricas já vencidas, e alcancem um  desenvolvimento semelhante ou até superior que lhes permitam desfrutar do conforto e dos  gozos do progresso e das esperanças promissoras do futuro.

Só uma observação derradeira: Joseph Henrich apresenta o diagnóstico, mas a receita você é que vai fazer.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor