Em 1880, o imperador Pedro II e a imperatriz Tereza Cristina, acompanhados de políticos, membros do governo, militares, veadores e semanários vieram ao Paraná a pretexto de conhecer a província e suas colônias, mas particularmente para presidirem o lançamento da pedra fundamental da construção da estada de ferro de Paranaguá a Curitiba e a inauguração da Santa Casa de Misericórdia da nossa cidade, além de mais propósitos oficiais. A caravana viajou 600 km numa província com 21 municípios e 150 mil habitantes, em tempo de chuva e frio, por estradas de terra e no maior desconforto, recepcionados com festas de rua e salão, celebrações oficiais e populares, nas cidades e vilas de Curitiba, Paranaguá, Antonina, Quatro Barras, São Luiz do Purunã, Palmeira, Ponta Grossa, Castro, Lapa e Araucária.

Para Lilian Schwarcz, D. Pedro não tinha só o gosto de viagens, foi um verdadeiro passeador, mas que, no fundo, guardava um plano estratégico de se servir delas para difundir sua imagem e seu prestígio como monarca, além de manter a unidade do seu governo e do seu país. Antes, em 1845, demorou seis meses em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo. Em 1847 esteve na província fluminense e, nos anos seguintes, viajou para o Espírito Santo e depois foi recebido com festa nas províncias da Bahia, Sergipe e Pernambuco.

O relato da viajem ao Paraná é de David Carneiro, então com 25 anos, estreando como historiador com a publicação, em 1930, do seu “D. Pedro II na Província do Paraná – 1880”. Uma publicação que se serviu da tradução de Saint’Hilaire e das memórias de Ernesto Matoso (“Coisas do meu tempo”), além de usar, passo a passo, as reportagens da imprensa do Rio de Janeiro e Curitiba, que deram cobertura ao cortejo imperial. É uma história narrativa que dispensou preensão literária para preservar e divulgar o momento histórico.

Consta da versão dos do seu convívio, que D. Pedro envelheceu precocemente. Ainda não tinha sessenta anos e dormia sentado presidindo as sessões do Instituto Histórico, ou assistindo as aulas do Colégio Pedro II. Era objeto da charge da Revista Ilustrada dormindo na entrega dos prêmios da Academia Imperial de Belas-Artes. Era o “Pedro Banana” ou “Pedro Caju”, postura ostensiva que o tornava alvo de constantes ataques e arremedos da imprensa.

Porém, aos 52 anos, durante sua excursão ao Paraná, o imperador se mostrava dono de pleno vigor físico e de franca disposição de espírito. Fez todo o trajeto ao lado da imperatriz numa carruagem puxada por duas parelhas de cavalos. O clima era de inverno, de frio, de geada. As estradas de terra tinham más condições de uso e conservação. Durante a excursão morreram diversos cavalos, estropiados pelo cansaço e esforço de vencer as distâncias e as dificuldades. Foi um “tour de force“. Parte da comitiva se perdeu no trajeto e na escuridão dos Campos Gerais. O carro de bagagem tombou e os cocheiros abandonaram o séquito imperial para socorrê-lo. Em trecho anterior, a carruagem tombou, com a morte de dois cavalos e lesões na imperatriz. D. Pedro fez longos trechos a pé e surpreendeu pela resistência. Entretinha-se em contato com o povo e toda sorte de instituição. Foi aos núcleos coloniais e às chácaras e propriedades rurais. Esteve nas cadeias e escolas públicas conferindo a organização e a recuperação de presos e o proveito dos alunos. Dos alunos cobrava o sinal da cruz e a oração do Padre Nosso. Era festejado em todo lugar. Em Palmeira, a baronesa do Tibagi, Cherubina Marcondes de Sá, cedeu sua berlinda, puxada por cavalos brancos e o cocheiro de libré e cartola, com que os soberanos chegaram à Lapa.

Embora bem amplas, até repetitivas, as descrições da viagem fizeram pouca menção aos momentos mais representativos de suas presenças na Província, viagem patrocinada pela Compagnie Générales Chemins de Fer Bresiliens, para o lançamento da estrada de ferro, mas que incluía, também, as inaugurações da penitenciária e da Santa Casa de Misericórdia. Da penitenciária passou-se ao largo, com a permanência reduzida a meia hora, para uma simples cerimônia religiosa e oficial, seguida, porém, do convite para o baile da sociedade Heimar, que iria animar a cidade por toda a noite. O belo exemplar arquitetônico da Santa Casa teve solenidade maçante, que acabou constrangendo D. Pedro pelo assédio que sofreu e de que se queixou. O lançamento da pedra fundamental da estrada de ferro foi programado para duas horas, mas teve seu tempo reduzido pelo imperador para um quarto de hora.

Durante a viagem foi lembrada uma denúncia grave. Sobre ela, porém, corriam duas versões do fracasso do governo de empreender a colonização da região com emigrantes russo-alemães. Embora aguardados com grande expectativa, eles acabaram considerados gente muito ignorante e indolente, responsáveis, eles mesmos, pelo fracasso do empreendimento colonizador. Por outro lado, porém, se dizia que a culpa, na verdade, era da qualidade da terra vendida ao governo monárquico por quantia exorbitante e por ação de Jesuíno Marcondes, como ministro, e determinação do Conselheiro Sinimbu, dos negócios do Império. O terreno só tinha um palmo de terra; embaixo era puro cascalho e areia, imprestável para agricultura. A colonização fracassou e as terras foram vendidas ao proprietário anterior com grande prejuízo. Sabendo disso, na hora de conceder comendas e títulos, mencionado Jesuino Marcondes, D. Pedro reagiu:

– Não quero conceder nenhum título a esse senhor, prefiro agraciar sua mãe.

– Mas ela já é baronesa, imperador…, retorquiu o ministro.  

– Pois então a faço viscondessa de Tibagi.

Apesar de ter sido um dos principais hospedeiros de suas altezas e ter acompanhado toda a trajetória da caravana imperial pela província, provendo-a de carruagem, cavalos e cocheiros de libré e cartola, Jesuíno Marcondes, um dos mais importantes homens públicos da época, esteve ausente da cerimônia de inauguração da estrada de ferro, que encerrou as festividades e a presença dos imperadores.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo