Hugo Gutierrez Simas nasceu em Paranaguá em 1883, filho de Francisco Simas, farmacêutico da antiga vila de Gabriel de Lara, editor da folha republicana “Livre Paraná”, e integrante da bancada paranaense da Constituinte de 1889, como um dos subscritores da nossa primeira Carta Republicana. O lar paterno era porém modesto e só com a ajuda do seu ganho como escriturário da Central do Brasil e depois auxiliar do Colégio Pedro II logrou completar sua educação na capital federal, onde se formou em Direito e em Farmácia, este foi o curso que fez para ajudar o pai no comércio.

De volta à terra natal foi primeiramente promotor de Antonina, para depois começar a se impor à admiração dos seus coestaduanos na regência da cadeira de Lógica, no Ginásio Paranaense, e de Português e Pedagogia, na Escola Normal, mediante concurso. Em seguida passou a militar na imprensa diária, chegando à direção do “Diário da Tarde” e do “Correio do Paraná. No foro ganhou renome como profissional do Direito, com rara competência e tino de jurista. Fez defesas de repercussão, como a do crime do Hotel Biella, em Ponta Grossa, cujas razões densas e lúcidas receberam ampla acolhida, com a impronúncia da acusada. Incursionou também pelo terreno agreste da política, feito deputado estadual. Faz parte da galeria dos fundadores da Universidade do Paraná, assumindo as disciplinas de Economia Política e depois Direito Constitucional, além de emprestar sua colaboração até como bibliotecário.

Porém, em 1921, decidiu voltar para o Rio de Janeiro, onde, fiel à sua vocação jurídica, inaugurou uma próspera banca de advocacia. Pois foi ai que, em 1932, o interventor Manuel Ribas foi buscá-lo para lhe confiar a chefia do Ministério Público estadual, em substituição ao desembargador Isaias Beviláqua. Sua permanência no cargo durou, entretanto, menos de dez meses, diante da sua posterior nomeação, em março do ano seguinte, como desembargador do nosso Superior Tribunal de Justiça. Porém, embora pareça curta sua permanência no parquet paranaense, Hugo Simas deixou um valioso cabedal para a história da instituição, por força de sua superior personalidade e ampla visão das atribuições que lhe foram conferidas, embora sem a extensão daquelas que o Ministério Público hoje detém.

Atenha-se ainda que, embora o Ministério Público privilegiasse, a esse tempo, o campo da persecução penal, e incluísse nas suas funções as da curadoria cível, falência e proteção do assalariado no contrato de trabalho, bem como a própria infortunística, a Procuradoria-Geral também constituía órgão de consultoria da administração estadual, atividade que, pelos dados que possuímos, absorvia a maior parte dos seus encargos, pois, nesses breves dez meses de exercício, Hugo Simas emitiu cerca de 500 pareceres, 30% deles correspondentes a consultas dos órgãos do próprio governo, a que se somam as outras quantidades de apelações cíveis e criminais.

Seus pareceres são sempre peças concisas, mas incisivas, que vão ferir diretamente o nodus da questão, embora ele sempre acabe pedindo escusas por ter dado “excessivo desenvolvimento ao parecer“. Entretanto, o estilo em si é sempre cool, terso e seguro, como é próprio de quem está afeito a enfrentar os desafios desse “oceano de dúvidas, que é a ciência do Direito.

Entre outras considerações, Hugo Simas também não conteve a queixa de que seu cargo de Procurador-Geral, embora fosse um dos mais árduos, sofria o tratamento injusto de ter seus vencimentos inferiores aos de seus colegas de qualquer dos outros órgãos ou departamentosuperiores do governo. Por sua vez, quanto ao desempenho da instituição e de seus agentesmanteve sempre postura austera, cobrando a atuação responsável de seus representantes, nolimites da instituição e do desempenho dos seus agentes. Advertiu sobre as restrições do exercício da advocacia, a obrigação da residência na comarca e as distorções comuns do júri, objetivando evitar as “divagações impertinentes” e a “exibição de simples oratória acadêmica”. Fez propostas de alteração das leis do processo e a adoção de uma codificação única para o país. Enfim, tinha uma receita simples para uma justiça pronta: a restrição de prazos e recursos; o bastante para acabar com o mal da chicana.

Enfim, como Procurador-Geral, Hugo Simas deixou um caminho de luz da sua inteligência e operosidade e, como desembargador do nosso Superior Tribunal de Justiça, se manteve como luzeiro e centro de gravitação da justiça estadual, pois, além do primor dos seus acórdãos, e mesmo dos seus votos vencidos, foram todos florões dcultura jurídica.

Hugo Simas igualmente seduzia pela irradiação natural do seu espírito e trato fidalgo que dispensava a todos, advogados e partes. Como ainda pelo rastro de bonomia e graça de espírito que cultivava nas rodas de amigos.

Ao fim, sua consagração nacional se deve, em parte, às obras jurídicas que deixou, atuais e inovadoras. Assim foi seu “Compêndio de Direito Marítimo” (1938), saudado por Aguiar Dias como um dos melhores do direito comercial marítimo. O “Código Brasileiro do Ar Anotado” (1939) veio contribuir também, não só para dar autonomia de estudo ao transporte aéreo e suas instituições jurídicas, como para construir um inteiro corpo de doutrina. Os comentários do seu “Processos Acessórios” da Forense, foram para Haroldo Valadão uma realização notável, um marco do Direito Processual vigente.

Acrescente-se que antes de morrer Hugo Simas fez entrega ao governo federal de um anteprojeto do Código de Transportes; missão que lhe foi confiada pelo ministro Francisco Campos.

Porém, seu legado ainda inclui tantos outros trabalhos, como “Agricultura na Escola Primária”, “O Romance de Amor do Poeta” e conferências e discursos.

Em arremate, Hugo Simas foi sem dúvida nosso maior jurista. Uma figura epônima da história de nossa vida cultural, digna de merecer inteira admiração e orgulho de sua terra e seus filhos.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo