José Assis Simões Uscht foi meu parceiro de bom convívio. Vinha do Serro, em Minas, depois Brasília e São Paulo, com a intensão de se instalar em Curitiba. Deixara recentemente uma relação de 12 anos da qual dizia ter perdido a emoção. Havia uma menina do casal, mas se sentia só e inseguro de retomar o caminho de outras terras. Imaginou preencher essa solidão com outra mulher… cuja imagem procurou definir como companheira ou parceira de uma união definitiva.

Tinha, porém, dificuldade em criar um modo que favorecesse sua aproximação física a qualquer delas e que facilitasse ter uma visão pessoal, sobretudo para uma avaliação prévia e promissora de uma provável união, pois a sua idade e as reservas pessoais que guardava de sua formação não favoreciam o acesso direto à pretendida ou qualquer manifestação que antecipasse sua escolha.

Assim, entre uma ideia e outra, acabou adotando uma iniciativa própria, vista até como perigosa, pois o expunha a uma exposição pública com riscos naturais, seja estampar sua figura na imprensa local e fazer proposta direta: “quero uma namorada curitibana”.

Então, seguro de si, tirou uma bela fotografia colorida, de estúdio e a postou com destaque, no dia 03 de janeiro de 1996, num quarto de página da Gazeta do Povo, jornal de maior circulação do Estado, fazendo um pedido direto de namoro com uma curitibana. Lançou seu nome, sua naturalidade, idade de 51 anos, assegurando ser dotado de condição física saudável e boa disposição. Tinha formação superior e segura situação financeira. Deu os números do telefone do hotel e da caixa postal mantida para esse propósito. Imprimiu um folheto para ser distribuído às candidatas, revelando dados de sua vida, hábitos e interesses pessoais, entre os quais sua preferência por mulher de 30 a 40 anos, loira natural ou de cabelo claro, bom nível cultural, e que não fosse “muito ruinzinha”, diante da previsão de eventual união e a constituição de família.

A notícia repercutiu imediatamente em todo o espaço do noticiário até nacional.  Em 80 dias recebeu 400 cartas, uma delas de 13 páginas e de um gay, além de uma deficiente física, atendeu 150 telefonemas e 50 telegramas de mulheres de inúmeras procedências. O primeiro telefonema foi de Guaíra, seguido de um rol de tantos outros, como os de Marta, Adriana, Susana, Marina, Ida, Margareth, Lúcia, Cris, Cássia, Stella, Rose, Cecília, Vanda, Linda, Amanda. Atendeu todas as chamadas do hotel e procurou responder as cartas, salvo as sem endereço de retorno. Entreteve entrevistas com a imprensa e redes de televisão. Sustentou longos e animados diálogos com as pretendentes que o procuraram.  Fez encontros, visitas, passeios, entrevistas, drinks, colóquios, refeições em bares e restaurantes, trocas de opinião, confidências e confissões com todas.

Ao fim, pôs isso tudo em livro, sob o título “Dom (Sic) Juan por acaso ou ela chegou pelo jornal”, uma brochura de 180 páginas, com o registro dos episódios e personagens dessa moderna aventura amorosa.

Mas, ao final da leitura nessa busca de uma recomposição pessoal e amorosa, exaurida por uma ligação anterior de 12 anos, destinada então a  vencer através de uma forma pública e original de escolha (até estranha às nossas tradições), é natural que se pergunte se o tipo de postura pessoal adotada garantiu ao autor a presença e a direção dos diálogos com as candidatas, incluindo a reação natural às intimidades que eventualmente se criam nesse tipo de relacionamento, para, enfim, diante de todo esses resultados, amplos de  exposição, perguntar ao  autor e  às candidatas se ele foi  válido para favorecer  a seleção e garantir a liberdade e segurança  dos participantes,  para que  se possa dizer que, afinal, alcançou resultado digno e satisfatório para todos.

Na verdade, no repasse desse pequeno livro você não distingue, porém, nenhum traço ou passagem que revele intimidade amorosa. Não há olhar de carinho ou gesto que denuncie e adiante a atração de um para com o outro, pessoal e afetiva. O trato é aberto e igual, mantendo formalidade natural.  Mas, só ele é que dirige e disserta sobre tudo…

Assim foi sua visita à fazenda dos pais da Solange, propriedade de 400 alqueires, onde se defrontou com dificuldades e equívocos que viu na administração, e logo postou sua condição de economista e administrador passando a fazer sérias observações e trocar opinião com os familiares sobre empreendimentos e regras que orientam uma melhor administração e prevenções, que garantam a prosperidade do empreendimento e o alcance do lucro. O trato, porém, foi mais com os familiares do que com Solange, embora ela tenha ensaiado algumas intervenções a pretexto da política do governo e lucro dos bancos, que José Assis deixou, porém, de animar, propondo um passeio pela fazenda.

Naquela noite dormiu na casa da fazenda, mas ocorreu um fato estranho. Alega que dormia no quarto quando ouviu baterem na porta. Aguardou um momento para atender. Mas não havia ninguém, e pensou, será ela à minha procura?  Pensou em bater no quarto dela…  Seria um convite amoroso, igual ao leque na bochecha da lenda alemã?…  Pensou, mas acabou desistindo e se devolvendo para a cama…

Foi esse um gesto de insinuação amorosa?

Ora, seguindo a galeria feminina nos encontramos diante de Cassia, numa única carta; teve Amanda, que reduziu sua presença ao conselho do poeta, “sem íntimo ardor, de alma profana”. Teve também Rose trazendo a mensagem de São Francisco:” é preciso dar para receber”. Só isso. Teve outras tantas, mas a entrevista de Marina foi mais expressiva, pois com ela o autor fez uso outra vez de sua formação e experiência econômica para dissertar com ardor nacional por mais de 12 folhas e desfechar vigorosas diatribes contra personagens e o quadro político e administrativos do país, que a jornalista Marina ouviu simplesmente calada e conformada de que na fase inicial não se fala em sentimentos, eles vêm depois. É partiu…

Vanda era diretora de sindicato e sua presença custou outras 15 páginas, vencendo uma aproximação que repetiu o mesmo tom superior e questionador do anterior, sobre a adoção e os resultados colhidos pela legislação trabalhista, previdência social, fiscal e de seguros, com foco na política nacional, também discretamente acompanhado por Vanda, contando com intervenções peculiares de sua curiosidade e compreensão.

De tudo resultou enfim a escolha de Liuta Pheiffer, que alegou ter sido atraída pela convocação só por curiosidade. Mas acabou se tornando o destino final de uma busca amorosa que animou publicamente parcela expressiva do nosso público feminino e consagrou, uma vez mais, a força do amor na relação da dupla homem e mulher. Ocorre, porém, que a presença de Liuta se resumiu a poucas notas de fim de livro, sem identificação ou mostra de convívio algum, como fez com as outras 400.  Por quê ela, então? O que o atraiu e a distinguiu e fez dela sua preferida? Foi o amor, a beleza, a inteligência, ou a educação? Que segredo ela revelou? Não nos disse nada! …  Afinal, ele foi então um Don Juan, como quer, ou, na verdade, um mero self-promoter?

Enfim, para arrematar o segredo, Liuta foi professora e escritora com obra editada e diretora de publicações do Instituo Histórico e Geográfico do Paraná.

Faleceu em julho de 2017, vítima de câncer…

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor