Maxine Margolis é antropóloga e professora da Universidade da Flórida. Já tinha escrito livros sobre a cultura sul-americana e brasileira, quando lançou, anos atrás, seu “Little Brazil, – imigrantes brasileiros em Nova York” relativo ao surto da emigração de nacionais para Nova York nos últimos decênios do nosso século.

O tema não é novo, mas hoje vigora mais intensamente e ganha corpo com a disposição de milhões de brasileiros de deixar o país em razão do desemprego ou da busca de trabalho temporário e vida melhor, diante do processo de globalização e avanço de novas tecnologias; senão, naquele tempo ainda, cumprindo decreto de exílio da repressão militar.

O Brasil foi sempre um importador de gente; mas hoje exporta. Há mais de 3 milhões de brasileiros vivendo em toda parte do mundo. Os números do IBGE são muito menores que os conhecidos porque não incluem os emigrantes ilegais. Os Estados Unidos têm um milhão deles, parte concentrados em Nova York. O Paraguai e o Japão contam mais de 250 mil, e o mundo em geral outro tanto, que se espalham em maior ou menor número, com a esperança de alcançar condições melhores de vida e trabalho.

Como quê, vivemos hoje a diáspora da nação brasileira. Diz a jornalista Ana Estela Pinto, do setor de pesquisa da Folha de São Paulo que, se pudessem, 62 dos jovens brasileiros iam embora do Brasil (o que corresponde à população de Minas Gerais), e, se acrescentássemos a essa soma os adultos, o montante alcançaria 70 milhões de emigrantes brasileiros prontos para deixar o país, despovoando São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná.

Conta-se que a emigração começou em 1960 e foi se acentuando depois dos anos 80 e 90, levada pela busca de trabalho e a expectativa de um melhor padrão de vida. Nos anos 90 a inflação anual do Brasil alcançou 1.795 por cento, e apesar da promessa do presidente Collor de acabar com ela com uma só bala, ela continuou subindo 20% ao mês. Diz a antropóloga que se a nossa moeda não tivesse sido mudada, o cafezinho de 15 cruzeiros em 1980 logo depois passaria a custar 12 bilhões de cruzeiros. Ao final do governo Collor a nossa economia tinha se retraído 4,6%, a maior queda desde 1947. Está aí um quadro muito pior do que o de hoje, mas mesmo assim o êxodo continuou ganhando ânimo e força. Dizem que é o fenômeno do push-pull, isto é do empurra-puxa. De um lado a dificuldade empurra para fora, doutro o emprego atrai para dentro.

Nova York passou a representar para os brasileiros a cidade de grande oferta de emprego, que além de bem remunerados, não exigem qualificação nem maior conhecimento da língua inglesa. Por sua vez, o emigrante brasileiro não reproduz o estereótipo do “estrangeiro ilegal” que o americano geralmente enxerga no mexicano: sem instrução e fugindo da miséria. Ele vem da classe média e média baixa, alguns até de nível universitário. Estão espalhados pelos cinco bairros da área metropolitana da Big Apple. Os executivos de grandes empresas brasileiras, porém vivem em comunidades requintadas, como Greenwich ou Westchester. Já os da classe operária, da construção civil, ajudantes de restaurantes, motoristas de caminhão e os mais sem qualificação, sessenta por cento deles mora no distrito do Queens (o gueto brasileiro), e, dentro dele, Astoria, é o bairro mais brasileiro. Depois do Queens a região preferida por 30% dos nossos patrícios é Manhattan, a “ilha da felicidade”, e, dentro dele o Harlen espanhol, onde vivem em prédios de apartamento baratos e superpovoados e os recém-chegados ocupam quartos comuns em hotéis baratos.

Ainda existem os poleiros, alojamentos, onde ficam muitos num quarto só, com beliches ou colchões que vão de parede a parede. Há menos camas que ocupantes. No Brooklyn, diz, oito brasileiros dividiam quatro camas, dormindo por turno; no Queens seis camas acomodavam doze ocupantes.

Em geral se diz que a ocupação mais comum dos chamados brazucas em Nova York é a de engraxate e as mulheres são go-go girls. Essa seleção, porém, não é verdadeira. Diz a antropóloga que o número de engraxates é, na verdade, minúsculo, diante das outras ocupações servis dos homens, como a multidão de auxiliares de garçons e lavadores de pratos, e, de outro lado, o número de go-go girls é bem menor do que as empregadas domésticas ou baby sitters.

Curiosas são também são as mil façanhas que se contam do esforço dos nossos patrícios para permaneceram em Nova York. Eles vêm como turista com visto ou então como imigrantes ilegais, pelo caminho do México, conduzidos por coiotes. Os turistas deixam correr o tempo de permanência e se tornam clandestinos ou overstayers. Desde então passam a viver uma vida invisível, escondidos num nicho de mercado, de baixa remuneração e sem perspectiva de futuro, na expectativa apenas da lei de anistia. Entre estes, o grande número vem de Governador Valadares ou Poços de Caldas, em Minas Gerais. É tanto o afluxo deles que o governo americano tem adotado medidas até severas para contê-los. E assim surgem as dissimulações, como a falsificações de documentos e a adoção de uma forma oculta de vida, para fugir da fiscalização e aguardar o evento de uma lei de anistia.

Diz-se que o governo poderia localizar essas pessoas facilmente, mas, na verdade, a economia do país não pode dispensar a mão-de-obra que essa força de trabalho ilegal representa.

Assim, temos perdido para o mundo centenas de milhares de brasileiros iguais a nós. É certo que, entre eles, vão os mais pobres, repetindo uma prática de política de equilíbrio social tantas vezes repetida no passado. Mas, entre eles vão também muitos dos nossos mais promissores talentos, a pretexto de ganhar espaço e melhores estímulos. E este é um tempo marcado pelo disrupção tecnológica e cultural inovadora em que só prevalecem os que puderem conquistar seu domínio.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo