Onde a bruma faz a curva, o curitibano levantou da cama ainda embrulhado no colchão de lã de carneiro, olhou incrédulo pela janela, deu um chute no travesseiro e saiu à rua para comemorar a Curitiba Branca de Neve. Outros voltaram a dormir, quando a mãe entrou no quarto com uma xícara de leite quente:

– Acorda, filho! Acorda que está nevando lá fora!

– Inventa outra história pra me tirar da cama, mãe!

Um pouco mais adiante, o marido acordou com a sogra em estado de perplexidade ao pé da cama:

– Acorda! Acorda que precisamos correr pra maternidade! E leva a Kodak, tá nevando lá fora!

No início daquela madrugada, no raiar da aurora, no meio do dia, no meio da tarde ou no início da noite, seja lá qual for a hora, os nascidos no dia 17 de julho de 1975 podem comemorar com justo orgulho:

– Eu nasci no dia da neve!

A maior nevada já registrada em Curitiba aconteceu durante a noite de 31 de julho de 1928 – atestou o fotógrafo Cid Destefani: “A neve começou a se precipitar às 8 horas da noite e assim foi sem parar até o amanhecer do dia 1.º de agosto, quando a cobertura chegou a ter 50 centímetros de altura, principalmente nos campos do norte da cidade, como Bacacheri, Colônia Argelina e adjacências. No centro, a cidade ficou branca de neve embaixo de bruma”.

No dia 17 de julho de 1975, a neve principiou a cair pouco antes das 5 da madrugada; e a cada inverno esperamos a repetição do fenômeno que mudou definitivamente a paisagem do Paraná. Enquanto a Curitiba Branca de Neve saía às ruas para comemorar também os feitos da revolução urbana que recuperava a autoestima da cidade, na madrugada do dia seguinte Londrina corria ao campo para chorar a geada que alterou em definitivo a economia, a geografia e a cultura do estado.

Depois da geada negra, o Paraná nunca mais foi o mesmo. O ouro verde virou cinzas e, na manhã de 18 de julho de 1975, um cheiro forte de café torrado tomou conta de toda a Região Norte do Paraná. A geada negra não poupou ninguém. Na tragédia, cerca de 1,2 milhão de pessoas deixaram o campo, acelerando o êxodo rural que vinha se desenhando desde a década de 1960. Embora o principal destino dessas pessoas tenha sido Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e o atual território do Tocantins, muitas foram tentar a vida na capital, que depois da geada negra também nunca mais foi a mesma.

Do dia 17 de julho de 1975 em diante, com a neve e os urbanistas fazendo com que os curitibanos se sentissem vivendo numa cidade do primeiro mundo, nem mesmo a boemia da capital voltou a ser o que era. Se em Londrina a geada negra matou os cafezais, em Curitiba as vítimas foram as casas noturnas que ficaram sem o Ouro Verde.

Até o inverno de 1975, o sonho do endinheirado fazendeiro era ter um Cadillac vermelho, um cavalo no prado e uma amante argentina. Com a geada negra, só restaram as contas penduradas nas boates da capital.

Quarenta e um anos depois, quantos seriam os nascidos em 17 de julho? Meia dúzia? Ou dúzia e meia? Não importando o ano na certidão de batismo, cabe a eles organizar um evento anual com a intenção de cultuar a memória do dia mais esperado do inverno. Nascidos abaixo de zero, uni-vos pelo WhatsApp! Com neve ou sem neve, os idos de julho de 1975 não podem jamais passar em branco!

  • Autor: Acadêmico Dante Mendonça
  • Foto: redes sociais
  • Imagem: Gerd Altmann por Pixabay