Ao homem são postadas duas grandes questões, comecemos pela segunda delas: Por que? Essa pergunta busca significar tudo o que a consciência abarca, e se ramifica em infindáveis bifurcações, por que existimos, qual o significado, e se de fato ele existe, da vida? Essa pergunta ativa, sustenta boa parte da filosofia, ela é a expressão máxima do ser, aquele que se reconhece separado do todo e diferente do nada, e tenta de alguma maneira encontrar e significar suas origens.

O ser vive para existir e existe para viver. Durante toda a fatia temporal a que tem direito, todas suas atitudes são no sentido de imprimir um significado à própria existência. Para isso é preciso descobrir-se, quem é, como funciona e qual o sentido do mundo que nos circunda. O ser é feito por e para o movimento, portanto sua busca jamais cessará. Se isso acontecer e a estagnação comprometer seu movimento, esse ser estará se afastando daquilo que realmente é, e se transformará em algo diferente. Essa transformação ocorrerá sem que possa escolher destinos ou formas.

O ser será moldado por forças alheias a ele mesmo. As poças de água podre costumam assumir diversas formas físicas, e são tanto causas quanto consequências da falta de movimento. Os dogmas são os maiores inimigos do ser, transformam movimento em imobilidade e afastam o ser da possibilidade de crescimento.

Voltemos agora à primeira das questões, que ao contrário da segunda, é passiva: Não chega mesmo a ser uma pergunta, talvez mais se pareça com uma constatação: Existo. A primeira e mais importante das percepções. Há nessa constatação a maior das forças criativas. Mas, ao contrário daquilo que acontece, e que em razão disso espalha consequências e opostos por onde nada havia, a constatação primeira, o reconhecer-se existência, não se refere ao ser, mas sim ao seu oposto, o antisser. Em oposição ao ser.

O antisser não busca suas origens ou outras descobertas. Ele não está sujeito à lei do movimento, apenas mergulha dentro de si mesmo sem direção ou velocidade, algo que talvez pudesse ser descrito como antimovimento. O antisser também possui seu caminho natural, é sujeito a acontecimentos e corre o risco de empossar-se em dogmas, talvez antidogmas.

O caminho do antisser é sempre na direção oposta a tudo que possui uma existência concreta. Se para o ser, o verbo mais adequado seria construir, para o antisser, o que mais combina é derreter. O antisser usa o movimento para se aproximar, não da existência, mas do contrário dela, a antiexistência.

O ente, aquele receptáculo que abriga ser e antisser, e que possui rígido controle temporal, passa também a ser campo de batalha entre as duas forças antagônicas, e a terceira força, o tempo, que limita a ação das outras duas. De um lado o ser busca descobrir, revelar, demonstrar tonalidades escondidas, por outro o antisser caminha na direção da dissolução da existência no infinito oceano universal. Enquanto a batalha acontece, soa o relógio informando que tudo possui um segundo a menos para acontecer.

O ente é esticado de todas as maneiras possíveis, seus tendões rompem-se e são substituídos por outros que brotam daqueles que foram destruídos. A dor se espalha por olhos e bocas, e escorre, formando poças que servem de espelho e nas quais o ente reconhece sua imagem e, após muito refletir, inventa um nome que a tenta definir: Ser Humano.

  • Autor: acadêmico Guido Viaro
  • Foto: arquivo APL
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