Dias atrás fui conhecer o Memorial João Turin, do Parque São Lourenço, da nossa cidade. Soube que foi criado como espaço cultural e artístico reservado à memória do escultor e designer paranaense João Turin, mas aberto a todos os artistas do movimento paranista. A sua inauguração ocorreu em 21 de julho último, presidida pelo prefeito Rafael Greca.  A obra foi projetada pelo arquiteto Guilherme Klock, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da Prefeitura de Curitiba.

Ao que se vê, trata-se de um belo espaço urbano de mais de 8 mil m², constituindo o maior jardim de esculturas do Brasil. São 100 delas, em bronze, das quais 74 são obras do próprio Turin e 12 estão espalhadas em espaço aberto, do entorno,  entre as quais uma merece atenção, pelas suas proporções e por representar a imagem de duas onças de grande porte e perfeita reprodução anatômica (3 metros de altura e cerca de  700 kg), envolvidas numa luta furiosa, que , constituem, na interpretação alegórica de Turin, o maciço do Marumbi, no sopé da Serra do Mar, vizinho de Porto de Cima, criando uma representação simbólica de  grande força e beleza.

Ora, quando Turin foi para Bruxelas tinha 27 anos, cumpriu o tempo da bolsa e tirou outros dez anos procurando fazer arte própria, com convívios importantes e até participando da produção artística local, quando ganhou menção honrosa com seu “Exílio”, no “Salom des Artistes Français”. Mas, embora tenha participado de um tempo histórico com novas propostas de arte, como aquelas do Simbolismo, da Art Nouveau e da Art Décor, tem sido visto como artista impermeável e até hostil às novas estéticas, para se manter reproduzindo as figuras tradicionais do selvagem e do animal, só que procurando reproduzir mais que a imagem, como o seu sentido simbólico, como fez com o seu Marumbi. Outra face é que sua arte não tem mulheres e no seu esforço de procurar reproduzir os movimentos do animal vivo e em luta, se dispunha até a visitar à noite os cemitérios e zoológicos de Curitiba, para observar e tentar reproduzir a postura e os movimentos dos animais.

Porém, apesar de merecer o reconhecimento do meio artístico do Paraná e participar e ter recebido premiação do Salão Nacional de Belas Artes, na verdade, João Turin não teve o reconhecimento que merecia no plano nacional.

Voltando ao nosso belo memorial, merece admiração o espaço que ele reservou ao teatro, à dança e a outras formas de produção cultural. Falo do teatro Cleon Jacques, nome que é homenagem ao professor e diretor de teatro falecido aos 31 anos. O espaço cênico foge ao modelo clássico tradicional italiano, com área própria para cem pessoas para a produção de todo tipo de manifestação cultural. Doutra parte, o memorial foi provido de fundição e fornos de cerâmica, que, por serem considerados obsoletos foram substituídos por fornos elétricos modernos e seguros, para que continue a ser o atelier particular maior e o melhor do Brasil.

Essas, assim, as impressões que se colhem de uma visita ao Memorial, mas muitas outras são oferecidas com mais presenças. É um mosaico de arte, com mais de 100 esculturas, 78 delas de Turin, de animais e indígenas, doadas em comodato pela família de Samuel Ferreira Lago, detentora de seu acervo. Além delas, exibe bustos e também outros 42 baixos relevos, de imagens de amigos, personagens históricos e figuras do seu tempo. Enfim, é um rico cartão postal aberto a memória paranista.

Porém, João Turin não é só a estatuária, os bustos e outras manifestações das artes plástica. Ele, por si, é a memória de um dos maiores expoentes do movimento regional paranista de construção do imaginário da nossa identidade, criado a partir dos anos 20 e que se diz ter alcançado seu ápice nos poucos anos seguintes.

O nome foi adotado por Domingos Nascimento em viagem ao Norte do Paraná, para distinguir os habitantes locais dos de procedência paulista, que então ocupavam em maior número o território setentrional paranaense, em obra de intensa ocupação e exploração econômica. O movimento surgiu com o Manifesto Paranista, divulgado pelo Centro Paranista, fundado pelo político, historiador e jornalista Romário Martins a que se incorporaram grande número de intelectuais e artistas, como Zaco Paraná, Ghelfi, Lange de Morretes, Traple, Nisio, de Bona e, com destaque Turin, empenhados na criação de símbolos de uma arte regional e representativa de nossa própria identidade, encontrada, principalmente, na imagem e estilização do pinheiro e seu porte fidalgo, além de outros símbolos menores como o do pinhão e da pinha, ou da erva mate, que a criatividade de Turin fez que alcançasse até a arquitetura e seus ornamentos, e aos móveis e até para oferecer sugestões à moda.

Enfim, o Paranismo foi um momento glorioso de nossa afirmação identitária, e avançou assim até os anos 40, perdendo daí em diante parte de sua força, diante da política do governo de Getúlio Vargas avessa a toda forma de regionalismo. Mas, se tem perdido, realmente, grande parte de sua projeção geral externa, a imagem simbólica do paranaense ainda se conserva viva no imaginário de todos nós.

  • Autor: acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: arquivo APL
  • Imagem: cedida pelo autor