Embora existam traços do Ministério Público em períodos bem remotos da nossa história, a instituição foi criada, oficialmente, em 25 de março de 1303, pela ordonnance do rei francês Felipe IV, o Belo, para seu serviço e defesa do seu patrimônio, depois extensivos à sua representação nos tribunais, distribuição da justiça e garantia da ordem pública. Depois disso foi ganhando expressão à medida que o poder público se constituía e se consolidavam as nacionalidades.

Não existia nos primórdios do Brasil Colônia e só vai aparecer com a criação do Tribunal de Relação da Bahia, em 1609, quando registra o cargo de procurador da Coroa, Fazenda e Fisco, além do de promotor.

Porém, a relação foi suprimida logo depois, mas vai ressurgir no Rio de Janeiro em 1808, com sua criação por D. João VI, porém, com o poder de alçada da Casa de Suplicação de Lisboa, como última instância de todos os pleitos desta parte do Reino de Portugal. Todavia, o direito à acusação no juízo dos crimes só foi atribuído ao promotor pela Constituição de 1824, quando a lei de 1828 passou a cobrar a presença do promotor no processo criminal, nomeado pelo presidente da província.

Sua atuação não despertava, porém, maior interesse e, no interior era constantemente suprida por solicitadores ou meros letrados, nomeados pelos juízes. Eram vistos como agentes do executivo, mantidos enquanto bem servissem. Só com a República a instituição assumiu caráter nacional e prenunciou sua independência.

Adquiriu capítulo próprio na Constituição de 1934. Com a de 1946 ganhou título autônomo e organização de carreira, mas, com a de 1967 retornou à condição de apêndice do Poder Judiciário. Foi a de 1988 que finalmente lhe concedeu ampla autonomia e lhe dotou do atual perfil de magistratura especial, incumbida da defesa da democracia, da ordem jurídica e interesses sociais.

Vale relembrar, porém que a criação do Ministério Público no passado foi recebida por Montesquieu como une loi admirable e para Rabat foi por igual “um vislumbre de milagre”; outros, entretanto, viram nele verdadeiros “carrascos legais da consciência” e até il piu terribile  dei flagelli. O nosso Humberto de Campos sugeriu que esta classe de serventuários fosse tirada das penitenciárias ou criada como se criavam os falcões de caça ou os répteis para extrair peçonha.

Enfim, apesar de tantos séculos de criação e persistência, para o historiador Gunter Axt o Ministério Público conquistou em etapas sucessivas um maior desenvolvimento institucional e expressão tutelar e democrática do direito, ampliando e consolidando sua atuação em defesa da ordem pública e do direito individual.

Prova disso, são as homenagens com que tem sido contemplado pelos órgãos públicos e pela confiança do povo em geral, que chega até a projetá-lo como um provável quarto poder de República.

Vale destacar, sobretudo, sua participação ao lado da Polícia Federal, da maior operação de combate à corrupção e lavagem de dinheiro de todos os tempos do país, promovida pela Receita Federal, para a qual o Ministério Público de Curitiba criou uma força-tarefa auxiliar de trabalho investigativo e de responsabilidade criminal, composta pelos procuradores Dalton Carlos Dallagnol, Carlos Fernando dos Santos Lima e Roberto Henrique Possobon, entre outros.

Quando a operação Lava Jato teve início, em 2009, partiu do escândalo do Mensalão, envolvendo o doleiro Alberto Youssef, o ex-deputado José Janene, revelando a participação de quatro organizações criminosas e de um ex-diretor da Petrobras. Após, as investigações conduziram à instalação da Lava Jato, que desde então vem desenvolvendo sua atuação em diversos estados, apurando os crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, organização criminosa e obstrução da justiçae apurando a responsabilidade de ex-presidentes da República, ex-diretores da Petrobras, políticos, ex-políticos, empresas, governadores, prefeitos, empresários, doleiros, lobistas e operadores em esquemas de lavagem de direito de bilhões de reais, resultando na expedição de mais de mil mandados de apreensão, prisão e condução coercitiva.

As investigações ainda prosseguem, enfrentando a resistência esperada dos agentes do “abafa” e de uma política insidiosa de desprestígio do judiciário, igual a que ocorreu na Itália na operação das “Mãos Limpas”; ao contrário, porém, do expressivo apoio com que o povo vem prestigiando esse imenso esforço de ressarcimento da riqueza espoliada do país, cuja recuperação já alcançou mais de 2,9 bilhões de reais e outros 2,4 bilhões em bens foram bloqueados.

O reconhecimento público não ficou aí, ganhou manifestação oficial de entidades nacionais e internacionais, como o prêmio anual da Global Investigations Review (GIR), na categoria de órgão de persecução penal e membro destacado do Ministério Púbico do ano. A cerimônia foi celebrada em Nova York onde os membros da equipe foram representados pelos procuradores paranaenses. A operação Lava Jato recebeu quatro menções honrosas, do IV Prêmio República, de Valorização do Ministério Público, a que concorreu hors concours, em 2016, como também, no mesmo ano recebeu o “Prêmio Anticorrupção”, da ONG Transparência Internacional. Assim também a força-tarefa mereceu o Prêmio Inovare, do Instituto do mesmo nome, além do Allard, da Universidade da Columbia Britânica e da International Association of Prosecutors, outorgado anualmente em Johanesburgo, na África.

Enfim, se o Ministério Público não é realmente um quarto poder, como queria o professor Alfredo Valadão, preenche, entretanto, uma tradicional lacuna institucional entre o espaço público e o privado, na defesa não só do cidadão e da sociedade, como do patrimônio nacional, cuja riqueza é expressão também da nossa soberania.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo