Carlos Zatti é gaúcho de Constantino, mas está radicado no Paraná há mais de 40 anos, estado-irmão que elegeu para seu destino e a quem devotou sua carreira de escritor, com obra rica e abundante de exaltação histórica da saga do tropeirismo, como o seu “O Paraná e o Paranismo”, que até mereceu indicação para o vestibular da Unicentro, da Universidade Estadual do Centro-Oeste, em Guarapuava.

Mas, tem diversos outros títulos que incluem obra de linha histórica e romances. Além do seu ofício de escritor, Zatti tem também talento musical, com prêmio de composição sobre o gauchismo, que é seu moe principal, além de servir de ator e ter sido até eleito campeão de gaita de  boca. Seu “Paraná…”, porém, é obra histórica da chamada “cultura terrantês” no Paraná, em que procura restaurar (ou implantar?)  o arquétipo “parano-gaúcho” de formação campeira.

A propósito faz o retrospecto da história paranaense, na  linha do tropeirismo e seu legado cultural, de quem herdamos a página nobre da nossa aristocracia do campo, nas figuras de Cristóvão Abreu, Sá Camargo, Paula Gomes, Santos Pacheco ou Silva Machado. Foram eles os “monarcas das coxilhas”, todos, porém, homens públicos, de representação e participação no governo da província. E também homens de guerra, como as do Paraguai e dos Farrapos, além de rebeliões, como a de Sorocaba, incluindo  participação no ministério de D. Pedro II.

Seu “Paraná…” aponta os primórdios de Paranaguá  e a presença dos seus primeiros povoadores e dos arraiais ocupados por gente aventureira provinda de São Paulo, atraída pela descoberta do ouro. Porém, quando ele passou a escassear teve início o ciclo pastoril e tropeiro, com a ocupação do plateau de Curitiba, distendendo-se pelos Campos Gerais, e destes para os de Guarapuava e confins de Palmas, até alcançar a região missioneira, do gado solto do pampa.

O novo sistema de criação e comércio vai então compor um quadro de cultura e identidade que se difunde pelo sul do Brasil. De um lado fica o tropeiro com sua bombacha, lenço colorado e poncho às costas. Na cabeça o chapéu de copa baixa, preso pelo barbicacho. Na cintura a cinta larga, a fivela e a faca de churrasco. A seu lado está o estancieiro, senhor dos estabelecimentos de criatório, que se dilatavam por mais de três léguas em quadra, e às vezes alcançavam extensão maior que a de dois ou três dos municípios de hoje.

A riqueza e o prestígio político alcançado levaram então à criação de uma verdadeira nobiliarquia regional de tropeiros, muitos deles agraciados com títulos de barão e visconde. José Felix da Silva foi proprietário da fazenda Fortaleza e era senhor de imensas outras terras entre o Tibagi e o Iapó. Tinha sua própria milícia. João da Silva Machado, barão de Antonina, foi abastado proprietário o primeiro senador da província emancipada. Luciano Carneiro Lobo foi um dos mais ricos proprietários de terras da região. Foi convidado para o casamento do imperador D. Pedro I com D. Leopoldina e doou aos noivos 500 vacas do melhor porte. Ainda forneceu uma guarda especial para guarnecer nossas fronteiras, que uniformizou, armou e alimentou por sua conta.O comendador Joaquim Lacerda, da antiga freguesia de Santo Antonio da Lapa, foi tenente na Guerra do Paraguai e participou do Cerco da Lapa. David Carneiro fez dele o verdadeiro herói do Cerco Federalista, no lugar da homenagem tradicional prestada ao general Carneiro. Foi senador da Província.

Todos, de certo modo, participaram da Guerra do Paraguai e dos Farrapos,  além da rebelião de Sorocaba. Muitos se celebrizaram dando origem a diversas comunidades campeiras do Rio Grande do Sul, depois convertidas em importantes cidades do planalto médio gaúcho: Passo Fundo, Carazinho, Lagoa Vermelha. O rol ainda inclui Cruz Alta e Frederico Westphalen, fundadas por lapianos (a última ainda conserva o nome do seu fundador). A origem de Nonoai se deve também a um guarapuavano.

A obra ainda inclui um capítulo sobre o mate e a literatura campeira, que se mostra tão pouco expressiva em nossas letras.

Enfim são muitos os cenários do universo pan-gaúcho de Carlos Zatti, em que celebra o tropeiro e seu mundo: ele o arquétipo de um pretendido paranismo.

Por fim, sua obra constitui, a bem de ver, uma proposta bem documentada, que não se reduz a definir um importante ciclo da nossa economia, mas se propõe a revelar que há nele também um extenso universo cultural e social, que ainda hoje mostra forte presença em amplos segmentos da sociedade paranaense.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto