Adélia Woelner é hoje expressão nacional da poesia contemporânea, com um sem número de obras poéticas e de prosa, além do destaque de uma bela produção poética que faz, destinada a encantar e educar nosso público infantil. Envolvida recentemente numa querela acadêmica sobre o desamparo de que há muito se ressente a história paranaense, ela se declarou disposta a compor uma história do Paraná toda em versos. Seu propósito é, naturalmente, o de usar o nobre, o criativo e, sobretudo, o grande poder de comunicação que tem a linguagem poética para poder despertar em nós todos o gosto nativo pelo nosso passado histórico.

Realmente, nessas últimas duas décadas perdemos nossos mais representativos historiadores. Tampouco existe uma disciplina própria de história do Paraná na grade de ensino da educação escolar, ou, o que é mais ainda, faltam manuais consistentes e atualizados de nossa memória histórica, para que os eruditos e curiosos possam conhecer donde provém nosso sentimento paranista.

Num plano maior ainda, vemos ao redor um profundo e geral desmerecimento pelos valores da cultura intelectual, enquanto que, do outro lado, prepondera agora a devoção aos cálculos e previsões econômicas e das ciências exatas. Ora, já vivemos o tempo dos bacharéis em direito do Império e os arrebatamentos dos poetas do Romantismo. Quanto à filosofia, também, somos como sempre mais assimilativos do que criativos, como dizia o crítico Sílvio Romero.

Por isso e mais que isso, vejo também se fecharem as livrarias mais tradicionais do país, habituais centros de encontro e florescência da nossa intelectualidade.  Bibliotecas particulares inteiras estão sendo oferecidas à guarda e proveito de escolas e entidades educativas de cultura modesta, ou estão entregues à exploração do comércio comum.

São episódios que desalentam nossa vocação pelos valores da cultura e do espírito.

Ampliando o tema já podemos tentar identificar as causas dessa queda cultural pelas bordas, quando observamos que a cultura tende, em princípio, a se concentrar nas áreas privilegiadas e na presença de uma maior soma de recursos materiais e, ainda por cima, de influência oficial.

Assim a Academia Brasileira de Letras foi fundada e 1834 e daí se disseminou por todo o pais, cada um com o seu Petit Trianon. O Instituto Histórico surgiu em 1838 e o modelo passou a ser reproduzido em todos os estados do país.

Ora, um pouco mais recente, porém, ocorreu neste país um surto coletivo de criação de instituições de ensino superior e entidades culturais e científicas, que passaram a disputar os valores individuais locais, com a oferta de empregos de bom ganho e oportunidades de realização pessoal, passando a dispor, assim, dos valores pessoais mais expressivos e a se apropriarem das maiores verbas oficiais e incentivos do governo e de instituições nacionais ou estrangeiras.

Daí o que resultou disso foram entidades regionais e locais de menor produção cultural para o que foram destinadas. Passaram a viver do benefício de módicas anuidades, insuficientes para os gastos correntes.

A publicação de uma revista anual de sua produção passou a exigir um verdadeiro effort de guerre.

O Instituto Histórico levou 18 anos para publicar o primeiro boletim, impresso na gráfica da penitenciária, com verba do governo. Suas reuniões já contaram com a presença de um Rocha Pombo, Romário Martins, Cândido Rondon, Alfredo Ellis, Carlos Tasso de Saxa-Coburgo e Bragança, Pedro Calmon, d’Escragnolle Taunay, Clóvis Beviláqua e tantos mais – hoje, porém, já não têm nem historiadores no sentido semântico. Só uns poucos devotados, catecúmenos da história que cultivam mais a dos outros, do que a de sua terra; que é o seu destino de origem.

Igual efeito sofrem as academias em geral, que assumem hoje mais a fisionomia de representação social do que guarda e padrão literário.

Assim, diante dos limites mais estreitos desse quadro regional, é louvável a iniciativa da Adélia (como a de Chloris Justen, num tom maior, de implantar o conteúdo histórico paranaense no ensino fundamental e médio do Estado), só através de iniciativas corajosas como a sua é ainda capaz de desfazer o letargo atual das nossas letras históricas e mesmo das literárias.

Mas, não podemos deixar de registrar que já houve, há algum tempo atrás, um esforço louvável, de igual virtude, de abrir caminho pela poesia para fazer despertar o interesse por nossa herança passada. E, foi membro da Academia, titular da cadeira 20: o acadêmico Francisco Pereira da Silva.

Homem de muitas letras e inúmeras atividades culturais, fez livros de prosa e poesia (até premiados), teatro, além de manter coluna própria na imprensa da capital e programa literário nas rádios locais. Fez ainda as letras, músicas e hinos de inúmeras cidades do Estado, retribuídos com títulos de cidadania local.

Mas, sobretudo, fez obra maior. Sua epopeia, “Os Paraníadas”, de composição camoneana, celebrando o homem paranaense e a história do nosso Estado. Um verdadeiro exemplar renascentista de 12 cantos e 3.032 versos líricos, em oitava rima. A estrofe com oito versos de dez sílabas métricas, chamados decassílabos ou heroicos, cantando a descoberta da terra, suas lendas, a epopeia das bandeiras e dos tropeiros, nossa emancipação e a exaltação dos seus filhos ilustres e do nosso progresso.

A obra foi comemorativa ao 35.º aniversário do Centro Paranaense de Cultura, foi adotada pela Secretaria de Educação e Cultura, publicada  e distribuída em todas as escolas do sistema estadual de ensino.

Não teve, porém, reedição, como merecia, para ser preservada pelo seu alto valor literário e, sobretudo, por sua realização e importância histórica, cujo sentido regional fez exaltar.

Afinal, boa sorte a Adélia, embora, por regra, o talento até a dispense.

Tampouco precisa se abrigar à sombra dos Lusíadas, pois já temos nossa própria grandeza para celebrar e difundir, como seus sacerdotes – e como consta do nosso próprio título acadêmico.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo
  • Imagem: Eduardovcneves por Pixabay