Nos anos 1980, vindo há pouco para Curitiba, deixei, com gelo na barriga, poemas, datilografados em folhas separadas, no endereço de uma mulher, poetisa, cujo nome já andava na boca do povo inclusive fora das fronteiras paranaenses: Helena Kolody.

Semanas depois, ela me convidou para ir ao seu apartamento. Para aumentar ainda mais minha falta de ar, a fada disse que havia gostado muito das poesias e escrevera, com sua letra miúda, em uma das páginas: o senhor ainda vai virar nome de rua. Quase sem articular palavras, engasgadas, ri miúdo com pedaços de lágrimas: “Querida, muito obrigado, deixe isto pra lá, virar nome de rua é pra alto quilate. Além disso, quero morrer daqui a muito tempo”.

Saí pisando em nuvens, a conversar com querubins.

Ao tomar posse, na Academia Paranaense de Letras, em 2014, citei poemas de vários autores e, claro, dela. Este, pra mim, é marcante: “Para quem viaja/Ao encontro do sol/É sempre madrugada”.

Para minha alegria imensa, ela, a fada Helena, e o Belmiro Valverde, “Um Himalaia de Cultura” (como o define o jornalista e também acadêmico Luiz Geraldo Mazza), foram meus antecessores na Cadeira 28 da APL. Muito para um batucador de teclinhas!

Na Academia, fiquei conhecendo melhor Adélia Maria Woellner, que, além de ótima poeta, foi amiga e companheira de Helena. Adélia, em palestras ou conversas, nos informa melhor sobre quem foi aquela delicadeza de professora e fada.

Um pouco antes, ao visitar Prudentópolis, município paranaense, de colonização ucraniana, e conhecer a biblioteca municipal, tomei um susto: não havia um só livro de Helena Kolody, nascida em Cruz Machado e filha de pais ucranianos. “Isto é uma loucura!”, disse à senhora que me atendia e que fez apenas um muxoxo, ao explicar: “Eu a conheço e gosto muito da obra dela. Mas, cadê verba para comprar os livros?”

Ao voltar para Curitiba, comprei vários livros da autora e mandei para a biblioteca. A carta de agradecimento da responsável me deixou nas nuvens.

Nesta semana, ao participar de uma “live” da Silvia Júlia Motta Carvalho, citei poemas de Fernando Pessoa, Drummond e da Helena, todos em busca do bem da humanidade, a Luz. E dela, falei: “Para quem viaja/Ao encontro do sol/É sempre madrugada”.

Rafael Monteiro, meu filho, que assistiu a “live”, disse: “Senti uma sensação estranha ao ouvir este poema, parece que há uma lembrança, alguma coisa cheia de luz”.

A lembrança vinha de um encontro do Rafa, criança, estudante do Colégio Integral, que, ao visitar um local de estudos, foi recebido junto a outros alunos, pela fada. Ela escreveu-lhe exatamente este poema em um pequeno papel. E ele o guardou e à sua autora no coração.

No mesmo evento de minha posse na Academia Paranaense de Letras, disse outro poema de Helena: “Deus dá a todos uma estrela/ Uns fazem da estrela um sol/Outros nem conseguem vê-la”.

Esta estrela, Helena Kolody, faria 108 anos no próximo dia 12, em plena madrugada dos tempos.

  • Autor: acadêmico Nilson Monteiro
  • Foto: reprodução/redes sociais
  • Imagem: AEN/PR