História já foi lenda, mito, fábula, alegoria e todo um universo de criações fantasiosas que povoam a imaginação popular e revestem os episódios singulares da vida cotidiana, quando eles escapam à sua compreensão, ou infundem algum tipo de risco à pessoa. A imaginação popular é uma forma de absorver a essa dura realidade da vida, simplificando e reduzindo tudo a um quadro coletivo e mais simples.

Cabe depois à História-ciência o trabalho de depurar e recompor esse universo imaginário, para oferecer uma versão mais autêntica da sua realidade. E não é fácil promover essa conversão, porque ela tem força coletiva e traz molduras do simbolismo popular e dos conteúdos locais. São reproduções de um universo coletivo. E esse universo é todo composto de crenças, receios, místicas e fantasias.

O jovem acadêmico e futuro historiador Pinheiro Machado acusava em 1930, em artigo da revista “A Ordem”, do Centro Dom Vital, do Rio de Janeiro, que o Paraná era até então um Estado incaracterístico, sem identidade própria, sem relevo humano e, inclusive, sem mitologia, as chamadas lendas do primitivismo, como ocorre com tantas das suas coirmãs.  Para o jornalista Fernando Pessoa Ferreira, hospedado um tempo na imprensa e na política estadual, Curitiba é exílio, habitada por uma tribo estranha que se alimenta de pinhão, e tem como maior atração o inverno, que começa em janeiro e termina em dezembro: no resto do ano chove. Houve respostas e até de punho fechado, mas o nosso Pinheiro Machado se redimiu do perjúrio e se fez um dos nossos mais ardorosos historiadores.

Então, para divulgar nosso folclore o governo Requião fez publicar em 2005 uma coletânea de quase 250 páginas, contendo 206 das nossas lendas e contos populares, colhidos da tradição e através de uma pesquisa abrangente, coordenada por Renato Carneiro Jr. e sua equipe do Projeto Paraná da Gente. Os temas são os do fabulário paranaense.

O monge João Maria, por exemplo, ganha destaque e prioridade entre os seus iguais. Havia outros dois: o de Agostini e o de Jesus, que igualmente influíram no cenário místico e rústico do sul do Brasil, percorrendo as regiões serranas de Santa Catarina e do Paraná, fazendo prédicas, profecias e curas de erva. Além destes, há em todo o interior muitos “causos”, que são comuns, de espectros de noivas, de véu e grinalda, lamentando o amor desfeito e assombrando os passantes pelas imediações dos cemitérios. A visão da loira fantasma assombrou os taxistas de Curitiba nos anos setenta e vai preservada em versos. Há muitas outras notas curtas se referindo à presença de maus espíritos e assombrações pelas estradas da noite e lugares ermos, com mensagens de desgraça e sofrimento.

É longa também a listas de tesouros escondidos, dinheiro enterrado, potes e panelas de ouro. Igual número de lendas se conta também de lobisomens e boitatás espalhando bolas de fogo.

Há algumas mais conhecidas e tidas na conta de lendas do primitivismo, como a do valoroso Guairacá e seus bravos cem mil arcos, que defenderam as terras do Iguaçu ao Paranapanema dos castelhanos invasores.

A lenda da origem das Cataratas do Iguaçu talvez seja a mais popular delas todas. A bela índia caingangue Naipi foi prometida ao deus M’Boi.  Porém, no dia da consagração, enquanto todos festejavam e bebiam, Naipi fugiu numa piroga com o guerreiro Tarobá, seu verdadeiro amor. Porém, se viu alcançada pela ira do deus pagão e foi transformada na rocha central da catarata, enquanto seu amor se viu convertido numa árvore à beira do abismo e à entrada da gruta, onde eram vigiados pelo deus malvado. E assim foi que surgiram as Cataratas do Iguaçu.

Maria Bueno, com a cabeça cortada pelo soldado Diniz repousa hoje num túmulo azul do cemitério municipal é a santa do povo curitibano. Seus mistérios são narrados em verso por Luciana do Rocio Mallon nas suas Lendas Curitibanas, livro que reúne grande parte do imaginário popular da nossa cidade.

O poeta Zulmiro talvez seja a história mais pitoresca contada pelo professor Jorge D. dos Santos num amplo relato. Zulmiro foi cidadão inglês, corruptela de Saulmers, que se fez pirata e acumulou grande fortuna. Teria vivido em Curitiba, nos meados do século XIX e consta que escondeu um baú de jóias e ouro em um túnel do cemitério das Mercês.

Outra santa do folclore paranaense foi Corina Portugal, objeto de ampla devoção religiosa é fé no seu poder de intercessão milagrosa. Sua sepultura no cemitério São José, em Ponta Grossa, tem sido objeto de peregrinação permanente de devotos provindos das mais diversas procedências e personagens que iriam desempenhar papel de destaque na vida política do Estado.

Enfim, possuímos um rico plantel de tradições e crenças populares, tal qual nossos irmãos, todo ele fruta do imaginário popular e de uma cultura que repousa sobre raízes negras, indígenas e portuguesa. Porém, embora essa origem comum, ele preserva o perfil de nossa identidade regional e local.

  • Autor: Acadêmico Rui Cavallin Pinto
  • Foto: Arquivo